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Experiência em call center.

Vivi em Madrid entre 2011 e 2013, país igualmente em crise, como o nosso, com a diferença de que, na cabeça do espanhol comum, se é para comprar alguma coisa, compram espanhola, que o que é espanhol é que é bom, ao contrário de cá, em que o que é português é mau e o que é alemão é que é bom.

Em termos de emprego, não é muito fácil, a não ser que se tenha uma profissão muito específica, como informático, área em que não havia muitos profissionais qualificados, já que os espanhóis eram, vá, um bocado nabos.

Com formação em educação e línguas, só tinha duas hipóteses: escolas de idiomas, a dar aulas em empresas (português, que estava na moda, e inglês, porque o espanhol comum, vá, é um nabo, as coisas são todas dobradas e falam um inglês tão típico deles que até há uma rádio nesse inglês e que só eles é que percebem, além de terem a forte convicção de que a maneira deles é que está certa e de que os ingleses têm mas é de ir aprender com os espanhóis!) no cu de Judas, tipo 2 horas de viagem para ir, 1 hora de aula, mais 2 horas de viagem para voltar, e isto quando não era chegar lá e "ah e tal, tivemos uma formação, esquecemo-nos de avisar", ou call centers, muito em voga na altura.

O primeiro onde trabalhei era uma empresa de descontos online e, depois de uns quantos meses a correr Madrid, o que eu considero uma boa formação, porque tive que me desenrascar com a língua, com transportes e com mapas (eu sou verdadeiramente desorientada, acreditem!), tive a sorte de ir para um trabalho em que havia estabilidade de horário, de rotina e de ordenado, e um grupo de colegas, que iam ser sempre os mesmos. 

O trabalho fazia-se bem, basicamente era esclarecer dúvidas dos clientes e ajudar em procedimentos, lá de vez em quando levando com uma reclamação porque a pessoa se esquecia de gastar os créditos mas achava que era nossa a responsabilidade de a avisar, ou uns quantos produtos que nunca mais chegavam e que tínhamos de inventar desculpas para o atraso, quando na realidade o que se passava era que a moça do departamento de parceiros estava tão entretida a abrir mais o decote ao chefe que estava no cubículo mais próximo, que se esquecia de enviar os dados dos clientes. 

O escritório era excelente, um edifício moderno no centro de Madrid, com as coisas todas ali ao pé, até o Pablo Alborán, tinha uma copa toda sim senhor, uma máquina de café de borla, o que foi um mau negócio para os senhores, havendo café grátis e uma dúzia de portugueses na empresa, a equipa era excelente, a nossa coordenadora admirável, ainda hoje a tomo como referência, e devo dizer que não encontrei um chefe de equipa que lhe chegue aos tornozelos, os colegas eram uns grandes malucos e ainda mantemos contacto, uns em Espanha, outros em Portugal, só foi pena vir de lá uma espanhola armada em boazinha, "ah e tal vamos melhorar procedimentos", nós já a imaginar colchões viscoelásticos a ser entregues a tempo e horas mas, afinal, era encerrar ali o departamento de Portugal, abrir um escritório em Lisboa e correr com toda a gente fora com uma carta a dizer que tínhamos baixado o rendimento. O que era uma grande aldrabice.

Assistência em viagem 1, Madrid, estive lá 3 ou 4 meses, avisei que ia casar, despediram-me uma semana antes com a desculpa de que baixei o rendimento e que já não lhes agradava o meu trabalho. 

Como habitual, não faltei um dia, cumpri sempre o meu horário e as minhas funções e nem sequer levantei a voz a colegas ou clientes, gramei com fins de semana no pico do verão num 22° andar sem ar condicionado (e então se Madrid é quente no Verão!), com outros colegas, a ouvir os patrones, de sua graça Montes, y sus amigos, a disfrutar do enorme terraço com piscina que tinham num 23° andar, acima de nós, ali no escritório, em plena cidade de Madrid. 

Ah, o tal papel que, por lei, tinha de entregar a avisar que me ia casar? Ignoraram. 

E uma colega colombiana, que falava espanhol e inglês, foi obrigada a fazer o turno das 23h-8h, a contragosto, com 3 filhos pequenos em casa, e foi despedida por não falar português, que era obrigatoriedade do turno, sendo que já sabiam disso quando a escolheram para esse horário. 

Infelizmente para eles, ela conhecia um bom advogado. 

Não havia sitio onde comer, apenas no nosso posto, arejar, só mesmo indo até à janela discretamente, podíamos ir 20 minutos até a porta do edifício apanhar ar ou, no caso de alguns colegas, fumar, mas não podíamos estar os 20 minutos no nosso posto a comer uma sandocha e um iogurte e a ler um livro. 

O wc era um buraco que não tinha janela, não tinha fecho, não tinha sabão e, na maioria das vezes, não tinha papel nem sequer luz. 

Havia uma maquina de snacks e outra de café, invariavelmente com um papel a dizer "no funciona". 

E sabem que nome carinhoso ganharam os patrões entre a escumalha do andar de baixo, por serem assim de fixes? Os Montes de Me...

Empresa de entregas rápidas, Madrid, entrámos para fazer uma campanha de 6 meses, na ideia de que era um horário de 8 horas para descobrirmos, ao assinar o contrato, que era de 5, até ver, o que foi chato para uma colega que tinha recusado um trabalho melhor, com as 8 horas, mas que era para substituir uma licença de maternidade.

É que também nos disseram que havia possibilidade de continuar na empresa. 

Só se esqueceram de avisar que era só no caso de um colega, carinhosamente apelidado de "enchufe", porque tinha conhecimentos lá dentro... 

Como nos outros sítios, o trabalho fazia-se bem, não tinha de vender ou impingir nada às pessoas, o ambiente é que, enfim... 

Quem caia bem e se ria das piadolas da coordenadora número 1, estava na boa, podia fazer pausa de meia hora sem levar nas orelhas, em vez de 15, quem ignorasse os calções a mostrar o rego da coordenadora nº 2 e dissesse que também era groupie do Alejandro Sanz, mesmo ao ponto de ir acampar dois dias antes para a porta do sítio do concerto, também estava safo, mesmo que levantasse a voz a um cliente e o chamasse de surdo ou de lerdo. 

E duas coordenadoras para um grupo de 10, porquê?

Porque aquilo era tão jeitoso que a que estava lá antes e fazia o trabalho normal, mandou-os à m..., e nenhuma destas sozinhas conseguia fazer o trabalho da outra que, uma vez que já não estava lá, era alvo de todas as lendas urbanas possíveis, acho que só faltou dizer que tinha fugido a cavalo num unicórnio. 

Ah, referi que a coordenadora número 1 deste serviço, cujo principal prestador era americano, não falava uma única palavra em inglês... 

O que quer dizer que o departamento de recursos humanos também não devia funcionar lá muito bem...


Assistência em viagem 2, Lisboa, mas empresa espanhola. Enfim, é o que se vê, não varia muito, lá fui dispensada um mês antes de terminar a licença de maternidade, depois de ter andado meses na formação médica da casa, de ter de andar a sair às 23h, apesar de não ser obrigada, estando grávida (informem-se!), e depois de ter ganho prémio de produtividade antes de sair. 

Acho que a diferença é que dos outros locais trago sempre amigos, mas os lisboetas são um bocado mais susceptíveis com estas coisas de blogs...




Moral da história: estou um bocado relutante em voltar a trabalhar com empresas espanholas...


2.10

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