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A mostrar mensagens de abril, 2024

Debaixo da pele do Lobo

Primeira noite de Lua Cheia. O céu estava limpo, e ela iluminava tudo em volta. Na floresta de pinheiros nórdicos com picos de neve alva, um nevoeiro baixo atravessava os troncos das árvores, aqui e ali, como um lago fantasma. Naquela época obscura, era melhor não se parar durante muito tempo, numa noite silenciosa como esta, neste tipo de lugar, pois as bruxas, os demónios ou os espectros fantasmagóricos podiam aproveitar para se apoderar da alma do caminhante imprudente que se aventurasse nas estradas. Saindo lentamente detrás de uma árvore, uma figura cinzenta atravessa a luz do luar, por momentos. Houve ainda tempo para vislumbrar dois olhos luminosos e um porte majestoso: era um lobo. Mas eis que surge uma segunda silhueta. Depois, uma terceira... Vários lobos, uns negros, outros com várias tonalidades de cinzento, como que surgindo de dentro de cada sombra, assenhoravam-se da clareira, e juntavam-se debaixo da árvore gigantesca que estava num dos lados, tranquilamente, formando u

Voar nas asas do vento

Carminho fora amargurada a vida toda. Tivera um sonho, um único sonho, e nunca o conseguira concretizar, nunca, nem uma única vez, na sua longa vida de 102 anos. Em menina, vira a mãe e as irmãs a conseguir alcançar o que ela não conseguia, depois as amigas, quando se punham bonitas e prendadas para os rapazes. Na sua casa, nunca o conseguira fazer, nem sozinha, nem para o marido e, o que lhe custava mais ao coração, nem para os filhos ao adormecer. Os anos passaram, diziam-lhe que tinha outros dons, outras qualidades, que era tanto e para tantos sem aquilo, que não fazia diferença aos que a amavam. Mas custava-lhe. Para que tinha um sonho se não lhe era possível concretizá-lo? Nunca conseguira cantar, só em sonhos, e tão bem que cantava aí, parecia um rouxinol ao amanhecer. Mas da sua garganta, apenas saia um grasno. Aquela tarde, tinha a certeza, seria a última da sua vida. Então, sem pressas, foi sentar-se no banco que o seu avô construíra junto de um velho salgueiro, plantado pelo

Amanhecer.

O despertador começou a tocar, baixinho, uma música da sua adolescência, dos Pearl Jam. Era uma estação de clássicos, e esta já estava na lista das músicas vintage. Fantástico…  Esta não era a sua cama, nem o seu quarto, e nunca ia meter umas cortinas daquela cor aborrecida, pensou Madalena, enquanto olhava para o gato laranja deitado em cima da sua barriga que a observava como se ela fosse uma peça habitual da casa. Saíra do trabalho no dia anterior aborrecida com a chefe e pronta a mandar tudo pelos ares, mas a engolir o sapo porque precisava do ordenado. Passou pelo supermercado, quase automaticamente, para apanhar os ovos que estavam em falta, e também pão e, quem sabe, umas massas frescas para fazer ao jantar. Simples, com mozzarella, pancetta, folhas frescas de manjericão, como faziam naqueles restaurantes pequenos perdidos no meio da Toscana. Porque é que estavam com promoção dos produtos italianos? Que nervos! Em casa, sentada no banco da cozinha, a olhar para as imagens nas et

Infinito.

Uma, duas, três, quatro, cinco… Contava oito pedras do lugar onde estava, em círculo, rodeadas por um denso manto de árvores, e mais duas pedras no centro. Como um vulto e um altar. Estavam marcadas com símbolos. Espirais e sóis e figuras humanas e animais velozes. Tão fundo na floresta que não se conseguia vislumbrar um trilho para sair dali. Ouvia o marulhar do vento nas árvores, o borbulhar de água não muito distante, e o silêncio. Estariam sozinhos no mundo? Não se conseguia mexer, não conseguia falar, pelos deuses, mal se lembrava sequer do que acontecera na noite passada e de como chegara ali. Que lugar era aquele? Olhou os seus braços, sentindo-os rígidos, e as pernas estavam a deixar de obedecer às suas ordens. Tentou gritar e nenhum som saía da sua garganta. Porque não, se ainda ontem ria e cantava e tinha a voz mais solta do que o costume, ao beber aquela bebida quente e doce que estava a ser passada por todos em redor da fogueira? As labaredas subiram e chegaram aos céus, as