Carminho fora amargurada a vida toda. Tivera um sonho, um único sonho, e nunca o conseguira concretizar, nunca, nem uma única vez, na sua longa vida de 102 anos. Em menina, vira a mãe e as irmãs a conseguir alcançar o que ela não conseguia, depois as amigas, quando se punham bonitas e prendadas para os rapazes. Na sua casa, nunca o conseguira fazer, nem sozinha, nem para o marido e, o que lhe custava mais ao coração, nem para os filhos ao adormecer. Os anos passaram, diziam-lhe que tinha outros dons, outras qualidades, que era tanto e para tantos sem aquilo, que não fazia diferença aos que a amavam. Mas custava-lhe. Para que tinha um sonho se não lhe era possível concretizá-lo? Nunca conseguira cantar, só em sonhos, e tão bem que cantava aí, parecia um rouxinol ao amanhecer. Mas da sua garganta, apenas saia um grasno. Aquela tarde, tinha a certeza, seria a última da sua vida. Então, sem pressas, foi sentar-se no banco que o seu avô construíra junto de um velho salgueiro, plantado pelo
O despertador começou a tocar, baixinho, uma música da sua adolescência, dos Pearl Jam. Era uma estação de clássicos, e esta já estava na lista das músicas vintage. Fantástico… Esta não era a sua cama, nem o seu quarto, e nunca ia meter umas cortinas daquela cor aborrecida, pensou Madalena, enquanto olhava para o gato laranja deitado em cima da sua barriga que a observava como se ela fosse uma peça habitual da casa. Saíra do trabalho no dia anterior aborrecida com a chefe e pronta a mandar tudo pelos ares, mas a engolir o sapo porque precisava do ordenado. Passou pelo supermercado, quase automaticamente, para apanhar os ovos que estavam em falta, e também pão e, quem sabe, umas massas frescas para fazer ao jantar. Simples, com mozzarella, pancetta, folhas frescas de manjericão, como faziam naqueles restaurantes pequenos perdidos no meio da Toscana. Porque é que estavam com promoção dos produtos italianos? Que nervos! Em casa, sentada no banco da cozinha, a olhar para as imagens nas et