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Mensagens

A mostrar mensagens de abril, 2019

A Devoradora de Corações - 5.

Bocas de dama. Uma hipótese seria fugir do convento. Era tão fácil, para mim, que já fugi tantas vezes. Dos lugares, das pessoas, das decisões. Sim, seria fácil demais, e não é isso que quero agora. Bastaria um olhar, e Samuel teria coragem de atravessar o que restava do muro meio destruído. Qualquer aproximação maior que esta era perigosa, e isso já eu o sabia. Muitos anos de corações despedaçados ensinaram-me que não há melhor companheiro para uma pessoa como eu do que a solidão. Houve uma altura, por breves momentos, em que julguei que fosse possível buscar companhia, um parceiro, um cúmplice, mas a culpa era algo que exigia demasiada energia, e acabei por desistir da ideia. Finalmente, encontrei o lugar perfeito, e julgava-me, quem sabe, salva dos meus próprios demónios; mas não, penso que isso não seja possível, pois até aqui, neste sítio que escolhi, neste refúgio para o alvoroço do meu coração, eles me perseguem e encontram, e continuo a esf

A Devoradora de Corações - 4.

Beijinhos de freira Na véspera de São João, Soror Imaculada construia na sua pequena estufa um singelo altar de ervas do campo, segundo os preceitos das suas leituras pagãs, que não chegavam aos ouvidos da Madre Superiora, é claro. Ou das suas leituras do Evangelho. Porque a Irmã Imaculada acabava por se confundir com as duas coisas: era, de um lado, o amor ao próximo, do outro, o amor à natureza, depois, era o amor a todas as coisas vivas!… Pois não se havia ela de confundir? Não era tudo, basicamente, amor? Para ela, que tudo amava, desde a oração à Mãe Divina até às pequeninas flores amarelas do verbasco quando floriam, até às delicadas orelhas de recém nascido que a lembravam sempre da sua sobrinha, o que a confundia era a religião, porque, desde sempre, o amor sempre estivera bem claro. Talvez fosse da idade, que já não estava a caminhar para nova, ou talvez de privar com tantas plantas travessas, na sua função de boticária. Bem, a falar a verdade, as pl