segunda-feira, 21 de julho de 2025

Odisseia do Tacho 2006 - CAPÍTULO 12 – QUEM NASCE PARA LAGARTIXA, PODE REALMENTE METER UM CROCODILO NOS EIXOS

Ao longe, no ambiente aconchegante da cozinha centenária da casa, um rádio a pilhas em cima do balcão captava numa estação mais clássica e pacata um êxito do Tony de Matos.
Com um sorriso saudoso, olhando as violetas no canteiro, a Ti Faustina recordava os dias em que… bem, não era tão velha e perra, e em que os bicos de papagaio não a obrigavam a dizer mais palavrões do que o seu afilhado Xico, o psicopata da Cadriceira, nos dias bons. Nos dias maus, ele preferia arranjar maneira de enterrar alguma coisa no seu terreno…
Num breve momento de distracção, e também devido a não ver a ponta de um corno à frente do nariz, acaba por acertar com uma basta quantidade de água do regador no Tareco, que estava no degrau do quintal a apanhar um pouco de sol nestes dias frios.
Tareco não se faz rogado e recolhe às proximidades da lareira da cozinha, onde a Ti Faustina assa dois chouriços para o seu lanche, ainda do stock da Mulher dos Chouriços, de quem enviuvou o Homem do Talho há uns meses atrás.
Bem… faz-se só um pouco rogado, porque se ouriçou todo, lançou um par de bufos relativamente expressivos e largou a correr para dentro da cozinha com as unhas de fora.
A Ti Faustina tinha muito em que pensar hoje. Ia ter uma visita! A sua afilhada Maira Casimiro, filha única do seu afilhado Xico, que trabalhava no Vaticano, e que há longos anos não vinha à terra.
A Ti Faustina ainda se recordava da pequenita Maira, que ajudara a criar, de olhinhos perspicazes, compleição concentrada e língua entre os dentes enquanto fazia uma autópsia caseira a uma ratazana que trouxera do celeiro, apesar de já saber que a causa da morte tinha sido uma pedrada certeira lançada pela própria Maira… E quantas vezes não tinha contribuído com bisturis e gazuas para a sua cândida colecção de materiais de experiências… Ah, muito sossegada era aquela pequena, e silenciosa: nunca lhe dera muito trabalho.
Estava a Ti Faustina sentada no degrau, ao sol, embrenhada nas suas cogitações de pessoa muito muito idosa, quando se recorda o Tareco de fazer das suas – e lá passa ele a correr esbaforido, todo eriçado e com o pêlo a arder, vindo da cozinha, onde estivera à beira do borralho a tentar acabar a sua sesta.
“Raios partam mais’ó gato, já chamuscou o pêlo outra vez!” – pensa – “É bom que não me tenhas ido aos chouriços, senão faço de ti uma farinheira!” – grita para o quintal a Ti Faustina, levantando-se e dirigindo-se com vagar para dentro, apoiada pela bengala que já tinha sido da sua avó, Ti Balbina, enquanto a Fernanda Maria acaba o seu fado no rádio, e uma ambulância passa a alta velocidade ao portão.
Ao chegar à porta fechada da sua própria oficina, o Ricardão suspira, conformado. Sai da ambulância, que conduz em part-time, porque assim tem uma desculpa viável para meter uma abaixo e acelerar no vermelho, ou fazer as rotundas em sentido contrário, e agarra na garrafa de oxigénio, dirigindo-se à vítima de mais uma fatalidade, caída lá dentro: o António Luís...
Aproveitando o turno de serviço do Ricardão, o António Luís agarrara na Famel Zundapp do Guarda Januário, sem saber que esta estava alterada, e que tinha sido apetrechada com um escape de rendimento Marshall, e entretém-se a fazer ratters e a acelerar às voltas dentro da oficina, com a porta fechada por causa do barulho(???)...
Eventualmente, caiu para o lado, completamente intoxicado, daí o Ricardão estar agora a ministrar-lhe vigorosas doses de... oxigénio?...
Oh não, saindo à pressa, o Ricardão trocou a garrafa de oxigénio da ambulância... pela garrafa de hélio de encher os balões para o arraial!
Estava o caso mal parado, não fosse a miraculosa coincidência de ir a passar naquela altura à porta uma figura ríspida e direita como se tivesse engolido um pau de vassoura, de óculos de sol e vestida de negro, a austeridade e a rigidez em forma humana, que se apresentou com o seu cartão – “Maira Casimiro – Advogada do Diabo” – e que deu uma valente biqueirada na canela do António Luís, dizendo: “Este está curado. Vê lá se deixas as alucinações!”, ao que o António Luís singelamente respondeu:”Aaaaaaaiiii!”
Passada a tormenta, e já recomposto do trauma sofrido, logo quis António Luís apresentar a sua nova amiga aos restantes frequentadores da Sociedade Recreativa, aproveitando para ir visitar a sua musa Maria Odete, que hoje estava em dia de alheiras no forno com batatinhas a murro e que, se estivesse de bom humor, era capaz de lhe dobrar a dose de rancho, em vez da espinha, como era mais habitual.
Ora não era só o António Luís que estava a par da ementa do dia na Sociedade Recreativa, pelo que, quando lá chegou, já o Espanhol tinha aviado duas travessas daquilo, e estava, com as bochechas, o nariz e a testa completamente lambuzados, o botão das calças aberto e uma toalha de mesa com ilustrações de melancias ao pescoço a fazer de guardanapo, a limpar o resto do azeite com grandes bocados de pão caseiro, directamente da travessa já vazia.
Para piorar, lançou um monumental arroto à entrada de António Luís e de Maira Casimiro em cena....
Pois têm os assíduos leitores deste blog de ver que isto não são preparos para se apresentar a uma senhora. Não é maneira, sequer, de deixar uma boa impressão.
Mas como para estes lados, tudo corre em sentido contrário...
...foi precisamente isso que aconteceu...
Maira, perplexa e completamente apanhada de surpresa, tira lentamente os óculos para poder observar aquela pérola da natureza, enquanto o seu queixo se descai levemente, não conseguindo, no entanto, ocultar um subtil sorriso de agrado que se soubera desenhar nos seus lábios carnudos.
Xavi Fuentes limitara-se a ficar estático, não conseguindo retirar o olhar daquela beleza exótica que lhe aparecera de repente na vida. Lembrou-se então das palavras da vidente Maria Odete, há umas semanas atrás: “O Amor surgirá em breve!” (com eco...)
Bem, ainda era cedo para se pensar nessas coisas, mas lá que a cachopa era jeitosa...
Pensando isto, sorriu, limpou os beiços à toalha, arrancando-a masculamente do pescoço e, achando que não estava em condições de perder tempo, logo ali arrebanhou Maira e a beijou.
Ela deve ter pensado mais ou menos a mesma coisa, porque não fugiu. Também, comparada com o Espanhol, não tinha propriamente tamanho para isso.
Quem não se ficou pelos azeites foi uma das testemunhas deste encontro romântico e afectuoso de duas almas que se procuravam ardentemente: a Giséla Sóráia, que andava de olho na presa, isto é, no Espanhol, há já alguns dias, e num eufórico e saudável processo de galação.
Para além de ficar verdadeiramente chocada, uma vez que foi trocada, afinal, por uma amostra de gente – uma coisa baixinha, quase sem carnes, mais parecida com uma tábua de passar a ferro, mas que teve o condão de deixar o espanhol a ver tudo a andar à roda e com um sorriso parvo na cara.
“Bem, o melhor mesmo era lançar o anzol a outro peixe”, pensa, olhando pelo cantinho do olho para o Cláudio, o gótico, que estava lá no fundo a tentar descobrir com uma faca a razão pela qual a sua torrada não saia da torradeira ligada.
“Este caramelo aqui é de estouro!”, pensou Giséla.
No meio disto tudo, quem ficou a ganhar foi a Odete Maria, nomeadamente através da sua sex-shop “Paraseuparaíso”, que acabou de inaugurar a secção “mariquices para pessoas niquentas e os seus bichos de estimação parvos com'o c***”
É que a misteriosa Maira era detentora de uma ligeira perversão sado-maso... e isso precisa de alguns instrumentos específicos...Assim, ao assumir o seu súbito e assolapado romance, a Maira e o espanhol conseguem juntar o útil ao agradável: ela gosta de dar, ele gosta de levar... o casal perfeito!!





Sem comentários:

Enviar um comentário

Odisseia do Tacho 2006 - CAPÍTULO 12 – QUEM NASCE PARA LAGARTIXA, PODE REALMENTE METER UM CROCODILO NOS EIXOS

Ao longe, no ambiente aconchegante da cozinha centenária da casa, um rádio a pilhas em cima do balcão captava numa estação mais clássica e p...