CAPÍTULO 2 – A GESTA DA ALFARROBA
Eis-me de novo aqui, Amâncio, Menestrel de sua gosmenta alarvidade El Rei D. Gervásio, o Alarve, e de sua leda herdeira, a Princesa D. Elvira, a do Remoinho Espetado no Cocuruto, narrador das façanhas e dos actos bravos e alguns menos airosos do Cavaleiro que mais dá nas vistas aqui na Corte de sua alambazidade El Rei D. Gervásio, o Cavaleiro D. Epifânio.
Além de dotado contador de lendas e outras coisas do género, este vosso amigo exerce também as funções de Menestrel para todo o Serviço, cargo existente apenas nos registos contabilísticos deste Reino, e que se reflectem em funções como contar histórias, cantar, tocar vários instrumentos musicais, desentupir as pias da retrete real, que até entopem com relativa frequência, eu sempre disse que não deviam ter sido feitas nos lados do pântano, que é uma chatice quando a maré sobe, e também fazer de Bobo quando o Custódio, o Parvo está aflito dos bicos de papagaio ou das outras doenças que ele tem, visto que é hipocondríaco.
Pois… acho que gostaria de explicar que a função deste vosso amigo é muito importante, quiçá imprescindível, e que, sem ele, este Reino, se calhar, até nem andava para a frente!
Se ao menos tivesse conseguido a assinatura do Director da Universidade no papel da Licenciatura em Engenharia, talvez me tivessem dado ouvidos, e a casa de banho não fosse nos lados do pântano…Mas um Bacharel, aqui… não vale nada…
Ora voltando à gesta que dá o nome a esta crónica, temos de ir até ao lugar dos heróicos acontecimentos que a originaram, a primeira paragem nesta Demanda do Jarro Sagrado.
Precisamente. A taberna do Pepe.
O ambiente escuro e com uma mistela de cheiros fortes atordoava agora os sentidos de Baldomero, o homem com uma poderosa (para a altura…) carroça de dois eixos e dono de um vergonhoso vício do hidromel que, no auge do seu estado pré-auto-lobotómico, na noite anterior, lá deu uma valente ensaboadela sobre as virtudes do néctar do jarro a El Rei D. Gervásio, o Alarve, razão pela qual se encontrava agora debruçado no balcão da taberna do Pepe, o Galego, com o seu companheiro de aventuras e patrão em geral, D. Epifânio e, lá mais ao fundo no balcão, o arqui-inimigo deste, D. Alarico.
-“É maijum jarro d’hidromel práqui, ó fachafôr!”, atira o já conformado Baldomero para Pepe, o homem de um só braço à frente da taberna local.
Como Pepe estava lá para o fundo a tentar levantar o atordoado D. Choramingas (sempre foram dois cálices de ginjinha…), que passou a noite toda a lamentar-se de não ter sido convidado para a Demanda do Jarro Sagrado, Baldomero foi atendido pela filha deste, a mui formosa Ramira.
Se Baldomero estava já inebriado, agora ficava completamente ofuscado!
Ramira era a dona dos seus sonhos, a inspiração da sua coragem, e o motivo que o fazia tomar banho, pelo menos, uma vez por mês!
Ao pé dela, como é natural, Baldomero tentava sempre comportar-se, o que, por vezes, se poderia tornar algo difícil, dada a quantidade de álcool que habitualmente tinha dentro de si, e com o cheiro de quem andava a correr por todo o lado sempre com a mesma roupa, e com parca quantidade de água e sabão em cima… que isso água de fosso havia muita no corpinho bem desenvolvido de Baldomero…
Ao olhar para a sua musa com uma expressão de repolho fora de prazo, Baldomero só conseguiu balbuciar embevecidamente “Rameira…”, pelo que, obviamente, foi recompensado com um valente tabefe ministrado pela voluptuosa dama, com uma resposta à altura, por assim dizer: “Ramira, não é Rameira!! Eu sou alternadeira! Só me sento ao colo dos clientes, e mais nada!! Bruto!!
Foi nesse preciso momento que entraram pela taberna dentro dois desconhecidos, dizendo-se almocreves mouros, o que desde logo pareceu suspeito a D. Epifânio, porque entraram aos gritinhos , muito agarrados um ao outro e a fazer olhinhos a D. Alarico, e porque para Árabes eram um bocado deslavados.
Foi quando Urdilde quase desfaleceu com a emoção de estar tão perto de D.Alarico, e Fagilde lhe mostrou o púdico tornozelo até aos fundilhos das ceroulas que D. Epifânio percebeu a artimanha combinada por D. Alarico com as gémeas Fagilde e Urdilde, que lhe vinham lixar a vida mais uma vez.
Preparava-se já D. Epifânio para defrontar corajosamente D. Alarico, desembainhando a sua espada, quando passam a correr desesperadas à sua frente as também conhecidas por Gémeas do Terror, a alta velocidade à frente da Canabis, a mula do Baldomero.
Ora acontece que as nossas duas amigas trafulhas arranjaram para se disfarçar de almocreves mouros uns sacos de sarapilheira que tinham servido de invólucro a uns quantos quilos de alfarroba, que era um petisco deveras apreciado pela dócil mula, pelo que, derivado de terem ficado com o fedor agarrado, a bichinha não as queria largar na mira de poder dar uma dentadita ou outra…
Vendo o caso arrumado, Baldomero volta a concentrar-se no jarro à sua frente, e D. Epifânio continua a tentar dar conselhos sentimentais ao inconsolável Custódio, o Parvo, que está na taberna a curtir a depressão de ter levado com os pés de ambas as gémeas – nesta altura a correr animadas à frente da mula Canabis, motivo pelo qual está neste momento este vosso amigo Amâncio, o Menestrel a amandar bolinhas ao ar com um fatinho idiota com guizos e meias douradas de licra, que ainda não existem na Idade Média, mas de certeza que foi algum arranjinho com o Lelo, o cozinheiro!
E depois voltaram todos para o Castelo, que já se estava a tornar tarde para o jantar, e nesse dia era espetada de boi com batatinhas (que ainda não havia na Idade Média, mas o cozinheiro, Lelo, arranjava de uma maneira que só ele sabia), que é uma chatice ter de comer frio, que fica duro.
FIM!
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