sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Odisseia do Tacho 2006 - CAPÍTULO 7 – SEXTA FEIRA 13

Uma escuridão profunda e húmida – era tudo o que a vista do Bruno alcançava naquele momento.
Ainda meio atordoado por causa da dose excessiva de sangria e Brandymel da noite anterior e por ter tropeçado em sabe-se lá o quê, ao Bruno do Talho parecia-lhe ainda ouvir a voz de soprano do Cláudio, o gótico, a ecoar estridentemente no seu cérebro.
Talvez fosse melhor voltar a adormecer...

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O amanhecer surgiu, límpido e luminoso, pelo quintal da Maria dos Prazeres dentro. Enquanto a pensionista apanhava, distraída, uns figos gordos e venenosamente doces para o pequeno-almoço, não reparou no seu marido, o guarda Januário, que corria porta fora com um televisor a arder refugiado nos seus braços...
... e nem no espanhol encostado ao pessegueiro com uma garrafa de 1920 vazia nas mãos e uma de Macieira entre as pernas, nem no Cláudio adormecido encostado à Floribella, a cabra que gostava que lhe dessem alfarroba à boca, que isto as sobrinhas é que lhe escolheram o nome para a bichinha, nem no R.J., o Fanhoso caído de cara entre as alfaces, nem no António Luís enrolado no canteiro dos tomateiros... e nem numa das botas do Bruno caída junto ao poço aberto...

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Eram já 4 da tarde quando o guarda Arnaldo saiu debaixo do tanque, onde se refugiara, para a sua mãe não dar com ele. É que seria demasiado humilhante para a sua condição de agente da autoridade ser apanhado bêbado e levar uma sova em frente dos amigos... isto se o pai não se apercebesse...
Se o guarda Januário adivinhasse que o seu perfeito e incorruptível filho único andava para aí a gastar a juventude em bebedeiras, era bem capaz de lhe arranjar uma nova casa... no cemitério...
Sim, porque o guarda Januário, que já não era agente da ordem coisa nenhuma, era um reformado que se entretia com a horta e com o seu macabro hobby.
O guarda Januário, viajado em muitas missões de risco e com uma folha de serviços brilhante e inspiradora, era tarado por armas e afins.
O sótão da casa estava atafulhado de coisas assustadoras como carabinas experimentais, bazucas duvidosas trazidas por amigos ainda mais duvidosos, lança-chamas, magnuns (e não são os gelados, garanto-vos!!), e uma autêntica fábrica de produção de cartuchos caseiros!
A preocupação desviante com a segurança inspirou-o até a encher todas as janelas da casa com grades de prisão de alta segurança. Daí o seu problema com a televisão. Que coisa melhor para uma televisão que faz curto-circuito e entra em chamas, do que uma janela aberta mesmo ali à mão??
Foi então que deu conta da bota ao pé do poço... e previu o pior!!
...sim, era o que ele pensava – o Bruno tinha caído ao velho poço, baixo, não mais que a altura da Maria Vieira, e com meio palmo de água, nos dias de hoje, quiçá numa tentativa de se esquivar da D. Adélia, ignorando o seu escaldante e geriático romance com o pensionista do andarilho.
O guarda Arnaldo, sabendo que não era possível descalçar aquela bota sozinho (passe a expressão...), chamou por socorro, e logo ali foi atendido – por quem ainda estava caído pelos cantos do jardim, pelo Índio George e pelo Ricardão da oficina que saíram esgazeados de dentro da barraca das ferragens a segurar as calças com uma mão e com o outro braço no ar,… e pelo guarda Januário, que alvitrou logo: “Vamos fazer uma investigação!”... que não foi muito longa, pois percebeu-se logo onde estava o Bruno.
A questão agora era como o fazer sair... pois, porque ele ferrou pé e não havia quem o convencesse a espreitar cá para fora...
Choveram sugestões de todo o lado, que foram prontamente postas em prática – menos a ideia do vingativo espanhol, que queria fazê-lo sair com fumo, acendendo uma fogueira no carrinho de mão e atirando tudo para dentro do poço, certamente ainda não esquecido da atenção da Joaninha, que tinha de partilhar com a vítima.
Com isto tudo já eram quase 9 da noite e ninguém metia nada para o estômago desde a noite anterior, excepto o guarda Januário, que tinha ficado com soltura o dia todo por causa de uns figos que comera ao pequeno-almoço e, a esta altura do campeonato, já temos lá em baixo, além do Bruno, o R.J., o guarda Arnaldo, o Xavi Fuentes, o Ricardão, o Índio George, o António Luís, o guarda Januário, duas cordas, um escadote de madeira, uma caçadeira de dois canos, um estojo de primeiros socorros e a Débora vestida de enfermeira de mini-saia, enquanto a D. Maria dos Prazeres está calmamente sentada no alpendre a ler o “Código de Avintes” com o gato Gatilho aos pés.
E, desta vez, quem salva a situação, é a Giséla Sóráia, que lembra que podem chamar os Bombeiros.
E foram todos jantar chocos fritos à casa da Maria Odete!!





Semana 4 de 2025

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