Eduardo vivia no silêncio.
Era mudo. Desde sempre. Nunca chegara a pronunciar um som, em toda a sua vida.
Desde que começara a compreender o mundo à sua volta, a sua perspectiva não fora a mesma das outras criança, e a adolescência foi um sonho estranho e cheio de mudanças bruscas de temperatura.
Agora, em adulto, estava mais ou menos habituado a que o olhassem de lado, com desconfiança, com pena, às vezes com asco.
Mas não se importava. Afinal, o mundo em que vivia era bastante interessante.
Quem sabe se, para compensar a sua ausência das palavras faladas, os seus outros sentidos tornaram-se mais desenvolvidos do que o habitual, e a solidão com que sempre vivera dera-lhe tempo para o fazer.
Por esse motivo, o prazer com que escutava as composições de Beethoven era sincero e devastador.
No entanto, o ruído que as outras pessoas faziam deixava-no atordoado. E aprendera a deixar de ouvir. Era também surdo, mas por vontade própria.
Por esse motivo, dedicara a sua vida a observar as estrelas por entre os ramos das suas árvores.
E a partilhar a sua solidão com elas.
Adorava sentir o cheiro das frutas frescas acabadas de colher da sua horta, e tocar na casca suave ou rugosa dos vegetais que colhia.
O que tocava falava com ele em muitas palavras de sensações.
O seu paladar era apurado à conta de todo o treino que investira nele e, porque não, pensava orgulhoso, algum talento inato.
A sua particularidade não era uma aberração, mas um dom!
Olhou o seu quintal cheio de cores e de cheiros, o vento a passar, para ele silenciosamente, pelas folhas da velha árvore que se erguia no meio do terreno e que se recusara a cortar, construindo e plantando em seu redor.
Viu o anoitecer a chegar, os pirilampos a brilhar na escuridão lá ao fundo e as pequenas luzes com paineis solares a acender, enquanto os guinchos e as gargalhadas que sabia estarem a ser emitidos não chegavam ao seu cérebro.
Sim, era diferente na sua expressão física neste mundo, e também na sua alma.
Foi por isso que não sentiu qualquer remorso quando serviu os cogumelos venenosos a Frederica, a sua vizinha tagarela, que nascera com todas as palavras que lhe haviam sido recusadas em vida e mais alguma, e a viu asfixiar dolorosamente no chão, imaginando apenas os sons que fazia ao arquejar e ao se engasgar com todas as palavras que não soubera partilhar.
Mais uns momentos, e o quintal ficou novamente em silêncio.
Para Eduardo, foi sempre assim que esteve.
Semana 21/2024