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As subtis nuances da Física

Não é fácil construir um foguetão.

Não um foguetão a sério, daqueles em que cabe uma pessoa, mesmo um rapaz de 9 anos. Um dia destes, talvez, que as férias de Verão são longas.

Mas um foguetão, mesmo assim.

Exige técnica, perícia, concentração.

Livros esquisitos e específicos da biblioteca requisitados com o cartão da mãe, entregues com um olhar de esguelha da Menina Andreia, que só a vê levar romances cor-de-rosa e livros de técnicas de poda.

Material.

Principalmente material.

O Jorge quase foi apanhado na garagem do avô. Escapou por um triz.

O Paulo convenceu a prima Bia a trazer os rolos de alumínio da cozinha da mãe dela, enquanto apanhou todos os que tinha em casa.

Passaram quatro tardes inteiras a raspar a pólvora dos fósforos a que conseguiram deitar as mãos nas semanas anteriores.

Havia mães, avós, vizinhos, sem uma caixa de fósforos, além do Sr. António do café, aventura que os fez ganhar a fama de uma brilhante escapadela, por dois dedos, do Pirolito, quando ainda foram apanhar mais umas quantas à churrasqueira dele.

Não havia motivos para falhar.

Escolheram o lugar certo, o que os seus cálculos de terceira classe indicaram como o mais propício para conseguirem atingir o seu objectivo.

Como precaução, abrigaram-se atrás da vedação de madeira, que tinha um buraco estratégico. A estratégia era do irmão mais velho do Paulo, que gostava de espreitar as meninas a apanhar sol. A adolescência…

Foi, por isso, com um certo desgosto que, em vez de verem o super foguetão (amador) dos Primos Jorge e Paulo levantar um sublime, elegante e fiável voo em direcção à lua, o viram apontar certeiro à janela da saleta da Menina Andreia, estilhaçando-a em pedaços e deixando dois gatos bastante furiosos.



Desafio Semana 18/2024

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