Oiço o guincho de um miúdo e um rosnar brincalhão de um cão. A seguir um pop!
Os guinchos tornam-se mais altos.
Já sei o que aconteceu.
O cão abochanhou a bola e deu cabo dela.
O puto ficou sem bola e está ali numa chinfrineira irritante.
Bem feita, raios partam a bola.
Não é verdade.
Não é isto que sinto.
Estou só zangado.
Zangado com tudo.
Com a gritaria do miúdo, com o cão a correr e aos saltos, com o sol, com o vento, com a paisagem tranquila, maldita!, com a vida, com a morte.
Com o que me resta da vida.
Vou morrer.
Soube-o ontem.
Não de repente, não de surpresa, mas tenho os dias contados.
Sou tão novo, tenho tanto para viver.
E já vivi tanto, já curti tanto a vida.
Devo ter gasto a dose toda, por isso é que foi encurtada.
Agarrei na mala e corri em direcção a um lugar especial, que me faz sentido, uma praia tranquila no Alentejo. Durmo sempre bem no Alentejo, sempre o disse.
Olho o céu e vejo um falcão a planar, a disfrutar do vento e da paisagem. Árvores que se estendem pelo horizonte. O rio e a barragem. As planícies, mais além.
Abro os braços, fecho os olhos e sorrio. Consigo ver o que ele vê.
Que bela vida que tive! Amigos, os melhores. São eles que me irão levar à última morada. Os melhores de todos.
A minha alma gémea, a minha amada, tão pouco tempo que tive com ela. Tão intenso, que me marcou a alma.
Posso durar meses. Ou anos.
O miúdo passa a correr, com o cão. Perdeu uma bola, mas ganhou um amigo. Guincha o miúdo e salta o cão.
Sorrio.
Já ganhei o dia.
Desafio Semana 13/2024
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