domingo, 31 de março de 2024

Horizonte

Oiço o guincho de um miúdo e um rosnar brincalhão de um cão. A seguir um pop!

Os guinchos tornam-se mais altos.

Já sei o que aconteceu.

O cão abochanhou a bola e deu cabo dela.

O puto ficou sem bola e está ali numa chinfrineira irritante.

Bem feita, raios partam a bola.

Não é verdade.

Não é isto que sinto.

Estou só zangado.

Zangado com tudo.

Com a gritaria do miúdo, com o cão a correr e aos saltos, com o sol, com o vento, com a paisagem tranquila, maldita!, com a vida, com a morte.

Com o que me resta da vida.

Vou morrer.

Soube-o ontem.

Não de repente, não de surpresa, mas tenho os dias contados.

Sou tão novo, tenho tanto para viver.

E já vivi tanto, já curti tanto a vida.

Devo ter gasto a dose toda, por isso é que foi encurtada.

Agarrei na mala e corri em direcção a um lugar especial, que me faz sentido, uma praia tranquila no Alentejo. Durmo sempre bem no Alentejo, sempre o disse.

Olho o céu e vejo um falcão a planar, a disfrutar do vento e da paisagem. Árvores que se estendem pelo horizonte. O rio e a barragem. As planícies, mais além.

Abro os braços, fecho os olhos e sorrio. Consigo ver o que ele vê.

Que bela vida que tive! Amigos, os melhores. São eles que me irão levar à última morada. Os melhores de todos.

A minha alma gémea, a minha amada, tão pouco tempo que tive com ela. Tão intenso, que me marcou a alma.

Posso durar meses. Ou anos.

O miúdo passa a correr, com o cão. Perdeu uma bola, mas ganhou um amigo. Guincha o miúdo e salta o cão.

Sorrio.

Já ganhei o dia.



Desafio Semana 13/2024

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