segunda-feira, 8 de junho de 2015

Odisseia do Tacho 2006 - Capítulo 5.


CAPÍTULO 5 – O INSTINTO É UMA COISA FATAL.

“Com quem estou a falar?”
A voz no outro lado da linha e o timbre levemente ácido não deixavam margem para dúvida. Apesar de nunca se identificar e de fazer perguntas como se fosse um interrogador/torturador da Pide, já toda a gente na Cadriceira conseguia saber que era a D. Adélia quando ela telefonava – até Natasha, a escultural partenaire/assistente ucraniana do Júlio Cangalheiro, que só falava meia dúzia de palavras em Português, ainda por cima consagradas à sua área de trabalho.
Odete Maria apontou calmamente a encomenda de um chicote novo, 2 pares de algemas com penugem rosa choque da marca Floribella Hardcore e uma lingerie especial modelo Pamela Anderson com almofadões no soutien – medida “seios extremamente flácidos”, que tinha chegado na remessa nova, enquanto deitava o olho ao António Luís, que viera saber do paradeiro do Bruno do talho, mas que ficara, um bocado contra a sua vontade, para um cházito e uma sessão de tortura amarrado a uma cadeira com uma corda daquelas grossas e dolorosas que se usam nas traineiras.
Há já alguns dias que a D. Adélia andava sossegada – ela, que quando não andava a gastar litros de água oxigenada na banheira para aloirar mais o cabelo e intoxicar o organismo, se entretinha a rondar tudo o que mexia e que conseguisse agarrar, enquanto se fingia distraída a regar o jardim ou a dar o comer aos pintos.
Coincidentemente, pensou Odete Maria, fazendo rapidamente as contas de cabeça, desde a mesma altura em que se dera pela falta do Bruno...
Ora aí estava um caso que poderia interessar a sua irmã, a mulher que tudo vê... menos o seu pseudo-namorado amarrado a uma cadeira num quarto estreito lá de casa pela sua própria irmã...
Deixando o António Luís a pensar na vida enquanto ia perdendo a sensibilidade das mãos e dos pés, Odete Maria acelerava o passo em direcção à Sociedade Recreativa.
Encontra a Maria Odete a braços com um pequeno problema de cariz profissional – Giséla Sóráia chorava inconsolavelmente o seu arrasador destino, depois da leitura dos búzios – o Índio George nunca será dela, apesar de ela o tentar convencer, por todos os meios, a voltar para o lado certo, mesmo depois de quase o ter convertido para aí umas 4... não... 5 vezes nessa noite – aquela empoleirada no lavatório também conta...
Nem foi preciso Maria Odete arranjar uma desculpa esfarrapada para meter a chorosa e ranhosa Giséla Sóráia a andar – logo ali passava um helicóptero das Forças Armadas, conduzido pela singela Joaninha das Autópsias, que andava a tirar o curso de piloto e que durante uma aula de treino passou – por acaso, é claro – ao quintal da D. Adélia, onde conseguiu avistar a figura trémula do Bruno completamente anestesiado e subjugado, e que conseguiu socorrê-lo, montando ela própria uma arriscada porém eficaz missão de resgate.
O caso estava resolvido!!
Apesar de pensar que tinha sido raptado por seres de outro planeta como julgava – principalmente naquela parte em que se sentiu subjugado pela sonda anal - o Bruno do talho, objecto dos afectos, da atenção e das psicoses da D. Adélia que, bem vistas as coisas, ainda chegava a ser prima do serial killer da Cadriceira famoso nos Anos 70 e que andava com vontade de petiscar carninha fresca, havia sido vítima de uma cabala montada pela própria D. Adélia e por um misterioso homem contratado por ela...
... Conhecido como o “Perigoso e Assustador Pensionista do Andarilho”...
...um homem que a D. Adélia conhecera muito bem no seu obscuro passado e que era um profissional nos anos 50, mas que agora não passa de um... assustador pensionista... num andarilho... mas ele também ainda não se convenceu disso...
Ficou toda a gente pasma com esta aventura do Bruno do Talho, ainda meio atordoado, enquanto iam degustando um churrasco ao ar livre no pinhal ao pé da sociedade Recreativa, e molhando o bico num tal de vinho frizante gaseificado, que começava a deixar as pessoas assim mais levezinhas, porque estava calor e aquilo até escorregava bem...
Entretanto, Maria Odete, já cheia de pedalada e de sangria, começa a cantar um fado do Alfredo Marceneiro numa versão composta e interpretada por ela quando pensou que ia ao Festival da Canção de 92, o que faz com que o R.J., o Fanhoso, emocionado, caía do banco e entale as partes nas cuecas fio dental adquiridas na loja da Odete Maria, facto que ele logo ali revelou, adjectivando as ditas cuecas com uma data de nomes menos próprios...
Lançando ao R.J. o Fanhoso um olhar furibundo, Odete Maria saca da chinela holandesa de madeira que tinha no pé e lança-se a ele, ofendida na sua virtude. A irmã não se fica atrás, e aproveita para meter o pé no nariz do Índio George, que tem quase 2 metros de altura, enquanto a Joaninha se descontrai e dá com pote da água na tromba do Bruno, roída de ciúmes de pensar que ele se andava a meter com a D. Adélia, e Xavi Fuentes preparava-se já para arremessar o cutelo que trazia para o que desse e viesse à Maria Odete, que já não a podia ouvir, quando o Pato Jeremias, ajeitando com a asa o seu risco branco no meio da cabeça, informa:
“A radiografia da cabeça do Santo do Painel do Infante não apresenta sinais de qualquer modificação na execução pictural da sua fisionomia. O modo como se revela uma modificação desse tipo, através da documentação radiográfica, é aliás bem evidente no caso do personagem que, no mesmo painel, se situa entre o Santo e a figurão do chapeirão.”
Na posição mortalmente estática e silenciosamente avassaladora em que ficaram os nossos personagens, apenas o Bruno consegue exclamar:
“Raios partam os patos!! Sabem tudo! O instinto é uma coisa fatal!”E voltou toda a gente à sua vida normal.

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