quarta-feira, 30 de julho de 2025

Odisseia do Tacho 2006 - CAPÍTULO 13 – Afinal este botão servia para quê?

 

O dia amanheceu finalmente solarengo e ameno, depois de umas longas semanas de vento frio e de chuva.
O sol brilhava suave por entre as folhas novas dos plátanos, os pardais e as andorinhas andavam num alegre rodopio, e até o Pato Jeremias resolvera sair da sua concha para vir apanhar um bocadinho de calor, esticar as asas e, quem sabe, petiscar as tostas com doce de morango do costume.
O calendário marcava o 13.
Sim, era um dia perfeito!

A propósito, este é o último capítulo.
Assim, os assíduos leitores deste blog terão pelo menos algum interesse ou, quem sabe, uma certa curiosidade ou, no mínimo, uma ligeira comichão para saber como isto “acaba”.
Não um “acabar” definitivo, como o das novelas da TVI, em que só no último capítulo se descobre quem matou o António, e tem de vir a cassete lá não sei de onde de helicóptero, e com mais aparato policial que o próprio Primeiro-Ministro.
Este é um “acabar” daqueles que pode ter continuação.
Se conseguir vender esta ideia à TVI, posso começar a ponderar a hipótese de deixar de gastar 2 € em Euromilhões cada vez que há jackpot e me lembro de ir registar o boletim.

Ora qual novela da TVI, a “Odisseia do Tacho” tem alguns finais previsíveis – como terminar toda a gente na Festa da Caldeirada da Maria Odete a comer e à porrada – e outros… que nem por isso…
Pronto, para ser simpática, também começa com uma festa!
Como não poderia deixar de ser, o casamento do Xavi Fuentes, já esquecido da Joaninha, com a Maira Casimiro, filha do Xico, o Psicopata, e afilhada da Ti Faustina, o que quer dizer que… sim, a velha senhora lá está no altar, com o traje duro e melancólico das viúvas portuguesas, sentada no seu banco de três pernas, a dar com a sua fiel bengala nas canelas do Espanhol…
Há uma diferença, porém. A Ti Faustina aderiu à moda da maquilhagem… mas não foi ainda essa a razão para a fazer tirar o buço do queixo…
Como se não bastasse esta tormenta, já o pobre Espanhol vai bem enfeitado… com o olho direito negro – ok, estou a ser branda… o olho está completamente fechado, de tão inchado… - 3 arranhadelas no lado esquerdo do pescoço, e um ligeiro coxear. As marcas do Amor…
Ao olhar com mais atenção para os convidados que limpam as lágrimas à chegada da noiva, podemos ver quem ficou com quem, que é o que se quer saber num final.
Também temos uma preferência pela forma trágica como se lixa o mau da fita, mas aqui não temos desses gajos, pelo que ficamos mesmo pelos casaizitos…
A Joaninha fica com a Marilice Esteticista.
A Marilice Esteticista é a prima do Espanhol, que veio para a ocasião, e que se reencontrou com o seu grande amor – sim, a Joaninha.
Abrem o Cabeleireiro Marilice, onde a Marilice vai colocar em prática as técnicas ancestrais de arrancar os pêlos do buço com cera quente, que aprendeu no Oriente profundo, num cabeleireiro ali para os lados de Sacavém. A Joaninha fica radiante, uma vez que não esqueceu o Bruno e ele até achou giro alinhar na rambóia.
Ao lado delas, temos o R.J., o Fanhoso, que lá se acabou por ajeitar com o Índio George, e descobriu que há mais da vida para desfrutar.
Mais atrás, o António Luís e a Débora – ele percebeu finalmente que a Débora, afinal, até é uma moça jeitosa para se levar para casa: sabe cozinhar, lavar as escadas, desentupir a pia, e ainda fazer uns biscates no carro e abrir frascos, coisa que, às vezes, lhe dava cabo da paciência, porque ele era um bocado fraco de braços, só era pena o seu buço anormalmente desenvolvido…
O Valentim, por vezes, também se junta a eles e, nos dias bons, também a Maria Odete, que revela ali mesmo que se tornou vidente depois de ver um porco numa motorizada, num ano em que foi à concentração de Faro.
O Ricardão da Oficina não veio ao casamento. Agarrou na garrafa de hélio, na ambulância e arrancou direito ao Alentejo perdido para tentar encontrar ovnis.
O Júlio Cangalheiro lá apareceu, vindo directamente do aeroporto, com as suas assistentes Jaciara, Márilin e Ivenka, mas desta vez lixou-se, porque teve de as partilhar com o Guarda Arnaldo (sempre debaixo dos olhos dos seus adorados pais, o Guarda Januário e a Sra. D. Maria dos Prazeres), e com o seu primo Marco dos Correios. Outros que não se vêm aqui são o Cláudio, o Gótico, a Giséla Sóraia, a Odete Maria e o Óscar, o Padeiro, que estão enfiados no confessionário a jogar Mikado. É que a Giséla lá descobriu um encanto qualquer no Cláudio, e a Odete Maria descobriu um extracto da conta bancária do Padeiro…
Depois do terno “Sim” dado pelos noivos, passa-se ao “Vamos lá mas é para a festa!” habitual.
O Valentim insiste em que se faça uma corrida de bicicletas, pelo que quem tem bicicleta lá se junta.
O Bruno ganha a corrida, porque ia de lambreta, e o Valentim, de acordo com a noiva, que percebe disso, “está livre de perigo, mas fora da corrida após colisão com a árvore”.

FIM

Mais ou menos…


segunda-feira, 21 de julho de 2025

Odisseia do Tacho 2006 - CAPÍTULO 12 – QUEM NASCE PARA LAGARTIXA, PODE REALMENTE METER UM CROCODILO NOS EIXOS

Ao longe, no ambiente aconchegante da cozinha centenária da casa, um rádio a pilhas em cima do balcão captava numa estação mais clássica e pacata um êxito do Tony de Matos.
Com um sorriso saudoso, olhando as violetas no canteiro, a Ti Faustina recordava os dias em que… bem, não era tão velha e perra, e em que os bicos de papagaio não a obrigavam a dizer mais palavrões do que o seu afilhado Xico, o psicopata da Cadriceira, nos dias bons. Nos dias maus, ele preferia arranjar maneira de enterrar alguma coisa no seu terreno…
Num breve momento de distracção, e também devido a não ver a ponta de um corno à frente do nariz, acaba por acertar com uma basta quantidade de água do regador no Tareco, que estava no degrau do quintal a apanhar um pouco de sol nestes dias frios.
Tareco não se faz rogado e recolhe às proximidades da lareira da cozinha, onde a Ti Faustina assa dois chouriços para o seu lanche, ainda do stock da Mulher dos Chouriços, de quem enviuvou o Homem do Talho há uns meses atrás.
Bem… faz-se só um pouco rogado, porque se ouriçou todo, lançou um par de bufos relativamente expressivos e largou a correr para dentro da cozinha com as unhas de fora.
A Ti Faustina tinha muito em que pensar hoje. Ia ter uma visita! A sua afilhada Maira Casimiro, filha única do seu afilhado Xico, que trabalhava no Vaticano, e que há longos anos não vinha à terra.
A Ti Faustina ainda se recordava da pequenita Maira, que ajudara a criar, de olhinhos perspicazes, compleição concentrada e língua entre os dentes enquanto fazia uma autópsia caseira a uma ratazana que trouxera do celeiro, apesar de já saber que a causa da morte tinha sido uma pedrada certeira lançada pela própria Maira… E quantas vezes não tinha contribuído com bisturis e gazuas para a sua cândida colecção de materiais de experiências… Ah, muito sossegada era aquela pequena, e silenciosa: nunca lhe dera muito trabalho.
Estava a Ti Faustina sentada no degrau, ao sol, embrenhada nas suas cogitações de pessoa muito muito idosa, quando se recorda o Tareco de fazer das suas – e lá passa ele a correr esbaforido, todo eriçado e com o pêlo a arder, vindo da cozinha, onde estivera à beira do borralho a tentar acabar a sua sesta.
“Raios partam mais’ó gato, já chamuscou o pêlo outra vez!” – pensa – “É bom que não me tenhas ido aos chouriços, senão faço de ti uma farinheira!” – grita para o quintal a Ti Faustina, levantando-se e dirigindo-se com vagar para dentro, apoiada pela bengala que já tinha sido da sua avó, Ti Balbina, enquanto a Fernanda Maria acaba o seu fado no rádio, e uma ambulância passa a alta velocidade ao portão.
Ao chegar à porta fechada da sua própria oficina, o Ricardão suspira, conformado. Sai da ambulância, que conduz em part-time, porque assim tem uma desculpa viável para meter uma abaixo e acelerar no vermelho, ou fazer as rotundas em sentido contrário, e agarra na garrafa de oxigénio, dirigindo-se à vítima de mais uma fatalidade, caída lá dentro: o António Luís...
Aproveitando o turno de serviço do Ricardão, o António Luís agarrara na Famel Zundapp do Guarda Januário, sem saber que esta estava alterada, e que tinha sido apetrechada com um escape de rendimento Marshall, e entretém-se a fazer ratters e a acelerar às voltas dentro da oficina, com a porta fechada por causa do barulho(???)...
Eventualmente, caiu para o lado, completamente intoxicado, daí o Ricardão estar agora a ministrar-lhe vigorosas doses de... oxigénio?...
Oh não, saindo à pressa, o Ricardão trocou a garrafa de oxigénio da ambulância... pela garrafa de hélio de encher os balões para o arraial!
Estava o caso mal parado, não fosse a miraculosa coincidência de ir a passar naquela altura à porta uma figura ríspida e direita como se tivesse engolido um pau de vassoura, de óculos de sol e vestida de negro, a austeridade e a rigidez em forma humana, que se apresentou com o seu cartão – “Maira Casimiro – Advogada do Diabo” – e que deu uma valente biqueirada na canela do António Luís, dizendo: “Este está curado. Vê lá se deixas as alucinações!”, ao que o António Luís singelamente respondeu:”Aaaaaaaiiii!”
Passada a tormenta, e já recomposto do trauma sofrido, logo quis António Luís apresentar a sua nova amiga aos restantes frequentadores da Sociedade Recreativa, aproveitando para ir visitar a sua musa Maria Odete, que hoje estava em dia de alheiras no forno com batatinhas a murro e que, se estivesse de bom humor, era capaz de lhe dobrar a dose de rancho, em vez da espinha, como era mais habitual.
Ora não era só o António Luís que estava a par da ementa do dia na Sociedade Recreativa, pelo que, quando lá chegou, já o Espanhol tinha aviado duas travessas daquilo, e estava, com as bochechas, o nariz e a testa completamente lambuzados, o botão das calças aberto e uma toalha de mesa com ilustrações de melancias ao pescoço a fazer de guardanapo, a limpar o resto do azeite com grandes bocados de pão caseiro, directamente da travessa já vazia.
Para piorar, lançou um monumental arroto à entrada de António Luís e de Maira Casimiro em cena....
Pois têm os assíduos leitores deste blog de ver que isto não são preparos para se apresentar a uma senhora. Não é maneira, sequer, de deixar uma boa impressão.
Mas como para estes lados, tudo corre em sentido contrário...
...foi precisamente isso que aconteceu...
Maira, perplexa e completamente apanhada de surpresa, tira lentamente os óculos para poder observar aquela pérola da natureza, enquanto o seu queixo se descai levemente, não conseguindo, no entanto, ocultar um subtil sorriso de agrado que se soubera desenhar nos seus lábios carnudos.
Xavi Fuentes limitara-se a ficar estático, não conseguindo retirar o olhar daquela beleza exótica que lhe aparecera de repente na vida. Lembrou-se então das palavras da vidente Maria Odete, há umas semanas atrás: “O Amor surgirá em breve!” (com eco...)
Bem, ainda era cedo para se pensar nessas coisas, mas lá que a cachopa era jeitosa...
Pensando isto, sorriu, limpou os beiços à toalha, arrancando-a masculamente do pescoço e, achando que não estava em condições de perder tempo, logo ali arrebanhou Maira e a beijou.
Ela deve ter pensado mais ou menos a mesma coisa, porque não fugiu. Também, comparada com o Espanhol, não tinha propriamente tamanho para isso.
Quem não se ficou pelos azeites foi uma das testemunhas deste encontro romântico e afectuoso de duas almas que se procuravam ardentemente: a Giséla Sóráia, que andava de olho na presa, isto é, no Espanhol, há já alguns dias, e num eufórico e saudável processo de galação.
Para além de ficar verdadeiramente chocada, uma vez que foi trocada, afinal, por uma amostra de gente – uma coisa baixinha, quase sem carnes, mais parecida com uma tábua de passar a ferro, mas que teve o condão de deixar o espanhol a ver tudo a andar à roda e com um sorriso parvo na cara.
“Bem, o melhor mesmo era lançar o anzol a outro peixe”, pensa, olhando pelo cantinho do olho para o Cláudio, o gótico, que estava lá no fundo a tentar descobrir com uma faca a razão pela qual a sua torrada não saia da torradeira ligada.
“Este caramelo aqui é de estouro!”, pensou Giséla.
No meio disto tudo, quem ficou a ganhar foi a Odete Maria, nomeadamente através da sua sex-shop “Paraseuparaíso”, que acabou de inaugurar a secção “mariquices para pessoas niquentas e os seus bichos de estimação parvos com'o c***”
É que a misteriosa Maira era detentora de uma ligeira perversão sado-maso... e isso precisa de alguns instrumentos específicos...Assim, ao assumir o seu súbito e assolapado romance, a Maira e o espanhol conseguem juntar o útil ao agradável: ela gosta de dar, ele gosta de levar... o casal perfeito!!





domingo, 27 de abril de 2025

Odisseia do Tacho 2006 - CAPÍTULO 11 – CAMPANHA DE LIBERTAÇÃO – SEXTA-FEIRA, A QUEIMA DO MAL

“Maldição, bruxedo, inveja, mau olhado, feitiçaria, praga e amarração!”
“Consultório Espiritual, Terapia on line e papéis de parede com imagens da terra santa”

Era esta a mensagem no cartaz pregado de forma bastante incoerente à porta da Sociedade Recreativa da Cadriceira nessa manhã, quando Maria Odete chegou da praça carregada com os sacos para as perdizes na caçarola que planeara para o almoço desse dia.
Ora aí estava um serão animado e colorido, para variar do animado e colorido das novelas da TVI que duravam até altas horas da madrugada, e que ela seguia fervorosamente, qual maratona de psicopatas tresloucados e vingativos.
Ao seu lado passava agora o Valentim, ainda a queimar os últimos cartuchos da noite da passagem de ano, há 8 dias atrás...
Por ter este ano ficado responsável da distribuição das prendas de Natal, por ter trocado os nomes das caixas e por as ter entregue um bocadito mais tarde – a 2 de Janeiro... – o Valentim (com a ajuda do Bruno, do Cláudio e do sempre impecável apesar de totalmente ébrio guarda Arnaldo – que apanharam uma tosga a beber copinhos de bagaço para afastar o frio) ficou demasiado entusiasmado com esta época, e começou a vê-la com novas cores, e também um bocadinho a piscar... apesar da sua preferida ainda ser o Carnaval... e os feriados todos, de um modo geral...
Por isso, anda agora a exibir umas verdadeiramente brilhantes meias de licra douradas e uns sapatos com salto agulha de 12 cm que eram para a D. Adélia, e uma t-shirt a dizer “Rudolph loves me” que se destinava à sua irmã Joaninha, “com o carinho do seu admirador secreto que se assina, Bruno”.
E mais nada!
Maria Odete, alterada, tira da sua mala o frasquinho dos sais e tenta recompor-se, mas o Valentim não lhe dá hipóteses disso, pois ao ver esta época com outras cores, reparou nas mesmo muito exíguas mini saias que a Maria Odete habitualmente usa e, ajeitando os seus caracóis no reflexo do vidro, manda todo o seu charme, assim como quem não quer a coisa...
“Já levei muita moça para a cama graças a este cabelo!” – e acha por bem acrescentar – “Elas ficavam malucas!!”
O Valentim usa aquele penteado desde meados dos anos 80, à imagem da capa do álbum de estreia de Marco Paulo, e tem sido o seu ponto forte nos engates desde essa altura.
O facto de ter o mesmo tipo de caracóis é que tem lixado a vida ao seu irmão Cláudio, cuja tendência é para o estilo gótico, que se torna... algo incompatível...
Eis que logo surge o António Luís que, topando já a jogada do seu hipotético rival (sem desconfiar dos encontros escaldantes da sua amada com o Padre Tom Cruise à hora da confissão, que a cada dia que passa se torna mais pia e frequentadora do templo sagrado...) vem armado com a sua arma infalível para derrotar tipo... rivais... – o Bruno do talho...
A ideia do nosso amigo era mesmo a de irem todos para o pinhal fazer um churrasco e assar uns chouriços da produção da Ti Faustina, que ficou como negócio da Mulher dos Chouriços, de quem o Homem do Talho enviuvou há pouco tempo, precisamente por lhe ter acertado com a faca de matar os porcos nos pontos vitais por várias vezes, de forma não intencional, é claro, coisa que ele teve alguma dificuldade em explicar ao Sr. Juiz, razão pela qual se encontra agora a cumprir pena por homicídio qualificado e teve de ceder o próspero negócio da agora não tão alegre família à Ti Faustina e à sua sócia e braço direito Ti Custódia.
O precioso e exclusivo segredo da confecção dos chouriços foi com a Mulher dos Chouriços para o Além, por ter sido apanhada meio desprevenida e não se ter lembrado ainda de apontar a receita.
O que safou o Valentim da tormenta de ser arrastado para um bacanal gastronómico foi o ter ficado a olhar hipnotizado e de boca aberta para o apelativo cartaz, o mesmo se passando com os outros.
Isto aconteceu porque se deram conta, de imediato, que aquilo era capaz de ser uma forma de divertimento bastante agradável, e ficaram com uma súbita e incontrolável vontade de ir para lá a correr.
E foi isso o que aconteceu!
O Bruno, sempre acompanhado da sua lambreta, deu boleia à Maria Odete e às perdizes, mas depois achou por bem voltar atrás e encaixar também lá o Valentim, que manifestava algumas dificuldades de locomoção apetrechado com os sapatos de salto agulha de 12 cm e que até nem se importou de ir com os calcanhares meio a arrastar pelo cascalho.
Chegados a uma barraca colorida plantada no meio do parque, não tiveram dificuldade em se sentir ambientados, até porque os habitantes da Cadriceira em peso estavam todos por lá… sim, até o Padre – agarrado a duas jovens militantes.
A festa até foi animada – entraram em diversas actividades, havia bebidas à descrição, animadoras jeitosas de roupas reduzidas, em suma, divertiram-se imenso... e estão a pensar em repetir...
Mas, provavelmente, os gajos da I...D vão riscar a Cadriceira do mapa deles, na certeza de que nunca vão ser capazes de salvar almas ali – apesar de o pastor Nilton de Azevedo ter ponderado ficar por lá e abrir uma filial, verdadeiramente impressionado com os apêndices mamários da Giséla Sóráia e com o seu reduzido decote...


PS – Eu gostava de ser assim brutalmente criativa, mas devo confessar que, desta vez, a IURD passou-me à frente... Isto para explicar que o parágrafo inicial é uma transcrição do site dos senhores... ;)





sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Odisseia do Tacho 2006 - CAPÍTULO 10 – COM QUANTAS FITAS SE FAZ UM CAMPO DA BOLA

Domingo à tarde no campo da bola da Cadriceira, que se situa mesmo ao lado da Sociedade Recreativa. De terra batida, com umas fitas de “Crime scene – do not cross”, desviadas de algum lado pelo guarda Arnaldo, de forma pouco legal, à volta, para limitar o espaço de acção do público, o campo da bola da Cadriceira era palco, além dos jogos de futebol, de garraiadas, largadas de vacas bravas, arraiais, bebedeiras, strips gratuitos interpretados pelo Valentim depois de passar por um qualquer lugar que vendesse álcool, ou depois de comer meia dúzia de Mon Cherries (sim, porque ao Valentim bastava pouco para o levar à loucura), enrolanços da Giséla Sóraia, engates do Índio George e outras coisas afins...

Hoje à tarde, porém, procedia-se àquilo para que era suposto servir o campo – a um jogo de futebol. Desta feita, opunham-se o SCUC – Sport Clube União da Cadriceira – e o FCO – Futebol Clube da Ordasqueira.
A multidão rodeava já a empoeirada cena de acção – uns debaixo das árvores, outros com guarda-sóis, outros com uma garrafita para acalmar o pó na garganta, os jogadores aqueciam, o árbitro saía detrás da roulote onde estivera com a Giséla Sóraia, sacudindo o pó da batina e ajeitando o colarinho... Notava-se de forma flagrante a falta da D. Adélia (de lua de mel com o Adérito, nas Maldivas, no mesmo hotel que o Tom Cruise e a Katie Holmes, que casada não é morta...).
O alinhamento da equipa da casa era, como habitualmente, o Óscar, o Padeiro, o Índio George na retaguarda (pois…), o Bruno do Talho, o guarda Arnaldo, R.J., o Fanhoso, o Valentim, ponta de lança, Mister, apara-relva, Director Desportivo, Director da SAD, Tesoureiro do clube e técnico de higiene dos balneários, o António Luís, exímio com o pé esquerdo, mas uma nódoa com o direito, razão pela qual nunca lhe era passado o esférico, o Cláudio, o gótico, irmão da Joaninha e do Valentim, o Xavi Fuentes, que exerce também a função de corrector de apostas e de caloteiro em geral, o Abílio da roulote das bifanas (com mesa de mistura, bola de espelhos e show de Miss T-shirt molhada), o rei da noites da Cadriceira, primo da Giséla Sóraia, que na hora do jogo assegura o funcionamento do negócio, aviando couratos e minis aos embasbacados que se babam para as bifanas e para o seu decote, e, por falta de pessoal válido, o guarda Januário, pai do guarda Arnaldo e agente da ordem na reforma, a assegurar a defesa das traves da equipa. Regra geral, acompanhado de uma Kalashnikov do mercado negro e de uma bazuca aperfeiçoada por ele próprio…
Já a equipa vinda da Ordasqueira na Vanette caquéctica da Sociedade Filarmónica, era composta por: Argolas, Gaspar, Petarda, Frufru, Pirolito, Franquelim, Zé Manel, Boi, Ginjas, Faneca e Maria Otília na baliza, derivado de na aldeia não existir mais nenhum homem com capacidade de se aguentar nas duas pernas sem o apoio de uma bengala, andarilho ou açaime.
...e o Padre era o árbitro, pois quem mais imparcial do que o representante de Deus na Terra…
… apesar de estar distraído como decote da Giséla Sóraia e com a mini-saia da Débora (que, apesar de até há bem pouco tempo ter sido gajo, tinha uns presuntos como deve ser) e de ter deixado escapar mais faltas neste jogo do que o Olegário Benquerança para aí na primeira parte do Benfica-Porto…
Mas, infelizmente, como isto nem sempre corre de acordo com o previsto...
...o Valentim lembrou-se de levar a vaca brava da garraiada… e como isso aconteceu depois de passar pela roulote dos coiratos do Abílio e de ter bebido umas 2 minis fresquinhas e um shot verde-alface a deitar fumo, acabou por, demasiado entusiasmado como quase golo que marcou, se enrolar na corda com que a trazia presa e, agarrado à bichinha, que acelerou para fora dali, arrancou a pele ao ser arrastado pelos costados pela areia do campo da bola fora…
...Nada de fora do normal, naquelas paragens...
No final, o resultado do jogo ficou por… com o quase golo do Valentim…zero a zero, e como acabou assim a modos que antes do previsto devido ao incidente do Valentim com a vaca, como de resto já era habitual em todos os ajuntamentos que se realizam na Cadriceira, debandou tudo para a roulote do Abílio, onde a sua prima Giséla Sóraia se entretia agora a fazer equilibrismo com os pratos e os seus avantajados apêndices mamários como vira fazer num circo chinês, na televisão, depois de ter comido um Calipo de limão adoptando as poses da Alexandra Lencastre na Caras da semana passada enquanto, ao mesmo tempo, assava bifanas, teclados e entremeada.…o que levara o Padre Tóm Cruije ao desvario, e que o fizera mandar o António Luís para a rua com um vermelho directo aos 34 minutos da primeira parte, apesar de este já não tocar na bola desde que tinha 12 anos de idade…



(Semana 7 de 2025)

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Odisseia do Tacho 2006 - CAPÍTULO 9 – E FORMOSA VAI A NOIVA...


Desde bem cedo na madrugada se ouve da casa de Maria Odete o martelar furioso dos dardos na grossa porta de madeira.
Maria Odete tem como vício, desde há longos anos, para descomprimir os nervos, atirar dardos venenosos a um poster de tamanho real da Dina que ela tem na porta da arrecadação. Desde o Festival da Canção de 92, em que Maria Odete participou, e que foi ganho pela Dina com aquela do “Peguei trinquei e meti-te na cesta...”, que Maria Odete nutre e acarinha um ódio visceral à cantora, não podendo sequer ouvir falar no seu nome sem ter um súbito e arrasador ataque de urticária...
Quando isto acontece, algo não vai bem na vida de Maria Odete...
... e era este, precisamente, o caso. Maria Odete tivera, tarde nessa noite, uma coisa que se poderia designar por um marcante “encontro imediato em 8º grau”, com o novo padre, nas traseiras da loja de Odete Maria, sua companheira de placenta, quando foi lá espreitar para ver se dava conta do paradeiro do António Luís, que há uns dias não lhe punha a vista em cima.
Ora, aqui, parece-me que vamos ter de fazer uma retrospectiva...
Maria Odete e Odete Maria não nasceram na Cadriceira. Não passaram a infância a trepar as árvores nos cabeços nem a roubar laranjas no pomar do Xico, o psicopata da Cadriceira, e nem uma adolescência parada no tempo.
Não. Estas nossas amigas surgiram de forma misteriosa na Cadriceira, há alguns anos, vindas de uma aldeia semelhante em Viseu onde faziam mais ou menos a mesma coisa e, devido ao seu carácter essencialmente rústico, depressa se integraram no frufru do dia a dia.
No entanto, nunca nada se soube da sua vida anterior. Até hoje. Maria Odete não poderá esconder mais o que a perturba no seu afinal obscuro passado – um romance com o jovem e sedutor padre da aldeia que a viu nascer.
Mas também, se todas as moçoilas tivessem abandonado a sua vida depois de andar às cambalhotas com o padre, hoje Corvos à Nogueira estaria às moscas...
Isto porque António Cruz, conhecido como Tom Cruz (lê-se Tóme Cruije), além do tórrido romance que teve com a bela e fogosa Maria Odete, manteve, ao mesmo tempo, outros... – com a sua irmã gémea Odete Maria, com a prima Alzira, com a Arminda da peixaria, com a Hipólita Frígida da contabilidade, que depois desta aventura passou a usar lentes de contacto, a optar por mini-saias, decotes até aos fundilhos e por tons vermelhos em geral...
Ora devem-se agora perguntar, curiosos, os assíduos leitores desta “Odisseia do Tacho”: “Mas o que raio tem isto a ver com a história?”
Pois bem, o Padre Frederico, que presidira já ao velório da D. Adélia, desaparecera/fugira/eclipsara-se misteriosamente... de novo..., pelo que foi necessário solicitar outro emissário do Senhor, de um modo geral, para as ovelhas da Cadriceira não se deixarem tresmalhar e, de um modo mais específico, para realizar uma cerimónia finalmente à beira de se concretizar – o casamento da D. Adélia... aos 72 anos, depois de ter ficado noiva mais de 20 vezes...
O feliz noivo, a horas de conseguir este feito ainda inatingido, era o pensionista do andarilho. Também conhecido por Adérito, e famoso pelas suas malhas aos ferrinhos, nas actuações do Rancho Folclórico da Sociedade Recreativa da Cadriceira.


“O que eu mais gosto do Xico
É que ele já não é vivo”

A cerimónia tem início com uma marcha nupcial composta pela própria noiva, em homenagem ao seu primo Xico, o serial killer da Cadriceira nos anos 70, que faleceu há muitos anos atrás, pensa-se, com um ataque de lombrigas. É que ele foi para o hospital distrital e nunca regressou... Acabou por se tornar numa Lenda Urbana...
Baseada num poema calorosamente estimado por ela, é entoada à capella pelos acólitos Messias e Bráulio, que acompanham a cerimónia, com a parceria do Bruno do talho ao órgão.
Mas como nem tudo são rosas... o noivo tinha a seu lado a Ti Faustina, a minutos de se tornar a sua sogra...
Ti Faustina, uma peculiar idosa de 90 anos, mãe da D. Adélia. Uma velhota mirrada que nem uma noz e enrugada que nem uma passa, que assiste ao casório sentada num velho banco de 3 pés, mesmo ao lado do noivo, para o poder açoitar vigorosamente com a sua bengala de madeira de carvalho à vontade, ao som de expressões lúcidas tipo: “Vê lá se atinas, seu moinante!”, ou “Olha lá o que fazes, seu vadio, que eu estou a espreitar-te!”.
A típica viúva portuguesa – pequena, de aspecto frágil, sempre trajada de negro, com o seu inseparável lenço na cabeça, o seu xaile nas costas, também negros, e da sua mortífera bengala.
Completamente desdentada, com buço até ao queixo e uns olhos pequeninos, alterna o seu tempo entre as actividades da igreja com as outras beatas, e o carpir a viuvez no cemitério, com as outras beatas...
Acompanhada da sua irmã e braço direito desde há 93 anos, a Ti Custódia (fisicamente muito parecida, a esta altura do campeonato...), a Ti Faustina gere um ramo de negócios obscuros, tendo como sequazes o Xavi Fuentes e o Don Corleone, e metendo à pala de um nome fictício – Floribella Hardcore – vários produtos de grande procura na loja da Odete Maria, “Paraseuparaíso”, que agora, além de sex-shop, abriu a secção de congelados e de produtos esotéricos.
Bem lá correu tudo de acordo com o previsto... excepto a festa... porque o novo padre voltou a cair em tentação... e desenvolveu um escaldante romance novamente com Maria Odete... e também com a Odete Maria, com a Débora, com a Giséla Sóraia...




(Semana 6 de 2025)


sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Odisseia do Tacho 2006 - CAPÍTULO 8 – “NÃO VÁS AO MAR, TÓINO...”

Hoje, mais uma vez, é dia de arraial na Cadriceira!
Todos os últimos fins-de-semana de Setembro, mais coisa menos coisa, dependendo de como correram as coisas na procissão e do número de habitantes da aldeia ainda com capacidade de andar, desde há 22 anos para cá (ou seja, começou como uma celebração algo tardia do 25 se Abril de 1974...), procede-se ao chamado “Carnaval de Fim da Colheitas”, que se celebra... precisamente... depois de acabar a apanha das peras, das maçãs e da vindima nas pequenas hortas dos habitantes da aldeia.
A preparação desta festa, que começa com o desfile planeado e interpretado pelos habitantes, e que é seguido da actuação do Rancho Folclórico da Sociedade Recreativa da Cadriceira e por um arraial festivo no parque de merendas junto da mesma, é mantida por todos no mais completo segredo, uma vez que toda a gente quer surpreender o seu vizinho.
Por vezes, as festas são tão vistosas, que aparecem até nos jornais das cidades e vilas em redor. ...regra geral, por causa do desastroso aparato do fogo de artifício nas mãos do R.J., o Fanhoso atestado de sangria, pelas serubas algo ilegais do Índio George, ou pelo elevado número de pessoas que vai passar uns dias ao hospital mais próximo, depois da participação nas diversas modalidades da festa.
Na véspera do Carnaval, o ambiente geral é de grande tensão – Maria Odete previra a queda de um muro em Berlim e a do Fidel Castro ao mesmo tempo que despejara metade do frasco de gindungo angolano na caldeirada, o que coloriu alegremente a vida das pessoas que foram almoçar à Sociedade Recreativa nesse dia, enquanto a sua irmã gémea, Odete Maria, carregou demasiado uma pequena máquina de eléctrodos para uso doméstico e acabou por ter de mandar um guarda Arnaldo de tutu algo aflito e afogueado para Centro de Saúde de urgência.
Toda a gente sentia os nervos à flor da pele...

Já refeito do susto, mas ainda não totalmente convencido, o Bruno do talho apura a voz no dueto com a D. Adélia, que não se cansa de lançar olhares ardentes e insinuantes ao pensionista do andarilho, o exímio tocador de ferrinhos no rancho. Por via das dúvidas, o Bruno trouxe a faca do entrecosto, que esconde entre as folhas com as letras das músicas do ensaio dessa tarde...

Às 6h em ponto arranca o desfile de máscaras e disfarces, que até correu de feição, o que se deveu ao facto de ser a primeira parte da celebração e de ainda estar toda a gente algo nervosa. A partir do meio do desfile – ou seja, à passagem pelo edifício da Sociedade Recreativa – é que as coisas começaram a desviar-se do seu centro, e as pessoas a encaminhar-se decididamente ao lugar habitual... onde começou logo ali, sem qualquer cerimónia, a parte final da festa misturada com o arraial e a actuação do Rancho...
Entretanto, chegou o Valentim, irmão da Joaninha das Autópsias e do Cláudio, o Gótico, viciado em vacadas, que saiu do hospital, onde foi passar a noite (com o relatório clínico de coma alcoólico e de duas costelas partidas), ainda meio bambo, depois de lá ter ido parar por ter ido para a largada na festa da Ordasqueira com uma grande tosga e de ter levado uma marrada de uma bezerra, e que está a pensar em ir outra vez, depois de meter para dentro uns dois ou três bagaços, para ver se ainda apanha a parte das vacas bravas...
Mas a festa até estava agradável e o Valentim lá foi vestir a primeira coisa que lhe passou pelas mãos – que foi um disfarce de mulher fácil, com o seu sempre presente telemóvel pendurado ao pescoço... - e depois de andar a tarde toda a beber uns shots experimentais do Índio George, acabou por se fazer ao António Luís que, provavelmente por lhe ter feito companhia nos shots, não se apercebeu da cabeleira longa de caracóis louros meio caída para trás, de uma mama obviamente mais abaixo que a outra, da barba de 4 dias... e nem do bocado de caldo verde ainda pendente do seu basto bigode à moda do Chalana.
Já o incorruptível guarda Januário andava a fazer a ronda – sim, que ele nunca perdera o hábito – armado com a sua caçadeira de dois canos alterada e com os seus poderosos cartuchos de fabrico artesanal – que há alterações que ele gostaria de incluir na profissão mas que não o deixaram, pelo que ele aproveita a reforma para as fazer – e já com um nível de imperial demasiado elevado no sangue para o que seria desejável – porque há hábitos que se criam... – quando dá com o Cláudio agarrado a uma bilha de Petromax, com um saco de plástico numa montagem que lhe provoca umas risadas parvas a ele e ao espanhol, enquanto o cão Piruças se mantém hirto e com uma firmeza de tropa ao pé do seu dono, já com os chinelos de Fonseca nos dentes, e o Ricardão da oficina a ensinar a Giséla Sóráia a apanhar moscas com os pauzinhos chineses...
E a noite acaba com todos a comer uma travessa gigantesca de peixe frito feita pela Maria Odete, que está inspirada e até de bom humor, pelo que, uma vez que não tem vontade de matar ninguém, até lhes faz este mimo, e sem ninguém se encanitar com o vizinho do lado, o que traz alguma variedade às festas da terra.



(Semana 5 de 2025)

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Odisseia do Tacho 2006 - CAPÍTULO 7 – SEXTA FEIRA 13

Uma escuridão profunda e húmida – era tudo o que a vista do Bruno alcançava naquele momento.
Ainda meio atordoado por causa da dose excessiva de sangria e Brandymel da noite anterior e por ter tropeçado em sabe-se lá o quê, ao Bruno do Talho parecia-lhe ainda ouvir a voz de soprano do Cláudio, o gótico, a ecoar estridentemente no seu cérebro.
Talvez fosse melhor voltar a adormecer...

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O amanhecer surgiu, límpido e luminoso, pelo quintal da Maria dos Prazeres dentro. Enquanto a pensionista apanhava, distraída, uns figos gordos e venenosamente doces para o pequeno-almoço, não reparou no seu marido, o guarda Januário, que corria porta fora com um televisor a arder refugiado nos seus braços...
... e nem no espanhol encostado ao pessegueiro com uma garrafa de 1920 vazia nas mãos e uma de Macieira entre as pernas, nem no Cláudio adormecido encostado à Floribella, a cabra que gostava que lhe dessem alfarroba à boca, que isto as sobrinhas é que lhe escolheram o nome para a bichinha, nem no R.J., o Fanhoso caído de cara entre as alfaces, nem no António Luís enrolado no canteiro dos tomateiros... e nem numa das botas do Bruno caída junto ao poço aberto...

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Eram já 4 da tarde quando o guarda Arnaldo saiu debaixo do tanque, onde se refugiara, para a sua mãe não dar com ele. É que seria demasiado humilhante para a sua condição de agente da autoridade ser apanhado bêbado e levar uma sova em frente dos amigos... isto se o pai não se apercebesse...
Se o guarda Januário adivinhasse que o seu perfeito e incorruptível filho único andava para aí a gastar a juventude em bebedeiras, era bem capaz de lhe arranjar uma nova casa... no cemitério...
Sim, porque o guarda Januário, que já não era agente da ordem coisa nenhuma, era um reformado que se entretia com a horta e com o seu macabro hobby.
O guarda Januário, viajado em muitas missões de risco e com uma folha de serviços brilhante e inspiradora, era tarado por armas e afins.
O sótão da casa estava atafulhado de coisas assustadoras como carabinas experimentais, bazucas duvidosas trazidas por amigos ainda mais duvidosos, lança-chamas, magnuns (e não são os gelados, garanto-vos!!), e uma autêntica fábrica de produção de cartuchos caseiros!
A preocupação desviante com a segurança inspirou-o até a encher todas as janelas da casa com grades de prisão de alta segurança. Daí o seu problema com a televisão. Que coisa melhor para uma televisão que faz curto-circuito e entra em chamas, do que uma janela aberta mesmo ali à mão??
Foi então que deu conta da bota ao pé do poço... e previu o pior!!
...sim, era o que ele pensava – o Bruno tinha caído ao velho poço, baixo, não mais que a altura da Maria Vieira, e com meio palmo de água, nos dias de hoje, quiçá numa tentativa de se esquivar da D. Adélia, ignorando o seu escaldante e geriático romance com o pensionista do andarilho.
O guarda Arnaldo, sabendo que não era possível descalçar aquela bota sozinho (passe a expressão...), chamou por socorro, e logo ali foi atendido – por quem ainda estava caído pelos cantos do jardim, pelo Índio George e pelo Ricardão da oficina que saíram esgazeados de dentro da barraca das ferragens a segurar as calças com uma mão e com o outro braço no ar,… e pelo guarda Januário, que alvitrou logo: “Vamos fazer uma investigação!”... que não foi muito longa, pois percebeu-se logo onde estava o Bruno.
A questão agora era como o fazer sair... pois, porque ele ferrou pé e não havia quem o convencesse a espreitar cá para fora...
Choveram sugestões de todo o lado, que foram prontamente postas em prática – menos a ideia do vingativo espanhol, que queria fazê-lo sair com fumo, acendendo uma fogueira no carrinho de mão e atirando tudo para dentro do poço, certamente ainda não esquecido da atenção da Joaninha, que tinha de partilhar com a vítima.
Com isto tudo já eram quase 9 da noite e ninguém metia nada para o estômago desde a noite anterior, excepto o guarda Januário, que tinha ficado com soltura o dia todo por causa de uns figos que comera ao pequeno-almoço e, a esta altura do campeonato, já temos lá em baixo, além do Bruno, o R.J., o guarda Arnaldo, o Xavi Fuentes, o Ricardão, o Índio George, o António Luís, o guarda Januário, duas cordas, um escadote de madeira, uma caçadeira de dois canos, um estojo de primeiros socorros e a Débora vestida de enfermeira de mini-saia, enquanto a D. Maria dos Prazeres está calmamente sentada no alpendre a ler o “Código de Avintes” com o gato Gatilho aos pés.
E, desta vez, quem salva a situação, é a Giséla Sóráia, que lembra que podem chamar os Bombeiros.
E foram todos jantar chocos fritos à casa da Maria Odete!!





Semana 4 de 2025

Odisseia do Tacho 2006 - CAPÍTULO 13 – Afinal este botão servia para quê?

  O dia amanheceu finalmente solarengo e ameno, depois de umas longas semanas de vento frio e de chuva. O sol brilhava suave por entre as fo...