sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Odisseia do Tacho 2006 - CAPÍTULO 10 – COM QUANTAS FITAS SE FAZ UM CAMPO DA BOLA

Domingo à tarde no campo da bola da Cadriceira, que se situa mesmo ao lado da Sociedade Recreativa. De terra batida, com umas fitas de “Crime scene – do not cross”, desviadas de algum lado pelo guarda Arnaldo, de forma pouco legal, à volta, para limitar o espaço de acção do público, o campo da bola da Cadriceira era palco, além dos jogos de futebol, de garraiadas, largadas de vacas bravas, arraiais, bebedeiras, strips gratuitos interpretados pelo Valentim depois de passar por um qualquer lugar que vendesse álcool, ou depois de comer meia dúzia de Mon Cherries (sim, porque ao Valentim bastava pouco para o levar à loucura), enrolanços da Giséla Sóraia, engates do Índio George e outras coisas afins...

Hoje à tarde, porém, procedia-se àquilo para que era suposto servir o campo – a um jogo de futebol. Desta feita, opunham-se o SCUC – Sport Clube União da Cadriceira – e o FCO – Futebol Clube da Ordasqueira.
A multidão rodeava já a empoeirada cena de acção – uns debaixo das árvores, outros com guarda-sóis, outros com uma garrafita para acalmar o pó na garganta, os jogadores aqueciam, o árbitro saía detrás da roulote onde estivera com a Giséla Sóraia, sacudindo o pó da batina e ajeitando o colarinho... Notava-se de forma flagrante a falta da D. Adélia (de lua de mel com o Adérito, nas Maldivas, no mesmo hotel que o Tom Cruise e a Katie Holmes, que casada não é morta...).
O alinhamento da equipa da casa era, como habitualmente, o Óscar, o Padeiro, o Índio George na retaguarda (pois…), o Bruno do Talho, o guarda Arnaldo, R.J., o Fanhoso, o Valentim, ponta de lança, Mister, apara-relva, Director Desportivo, Director da SAD, Tesoureiro do clube e técnico de higiene dos balneários, o António Luís, exímio com o pé esquerdo, mas uma nódoa com o direito, razão pela qual nunca lhe era passado o esférico, o Cláudio, o gótico, irmão da Joaninha e do Valentim, o Xavi Fuentes, que exerce também a função de corrector de apostas e de caloteiro em geral, o Abílio da roulote das bifanas (com mesa de mistura, bola de espelhos e show de Miss T-shirt molhada), o rei da noites da Cadriceira, primo da Giséla Sóraia, que na hora do jogo assegura o funcionamento do negócio, aviando couratos e minis aos embasbacados que se babam para as bifanas e para o seu decote, e, por falta de pessoal válido, o guarda Januário, pai do guarda Arnaldo e agente da ordem na reforma, a assegurar a defesa das traves da equipa. Regra geral, acompanhado de uma Kalashnikov do mercado negro e de uma bazuca aperfeiçoada por ele próprio…
Já a equipa vinda da Ordasqueira na Vanette caquéctica da Sociedade Filarmónica, era composta por: Argolas, Gaspar, Petarda, Frufru, Pirolito, Franquelim, Zé Manel, Boi, Ginjas, Faneca e Maria Otília na baliza, derivado de na aldeia não existir mais nenhum homem com capacidade de se aguentar nas duas pernas sem o apoio de uma bengala, andarilho ou açaime.
...e o Padre era o árbitro, pois quem mais imparcial do que o representante de Deus na Terra…
… apesar de estar distraído como decote da Giséla Sóraia e com a mini-saia da Débora (que, apesar de até há bem pouco tempo ter sido gajo, tinha uns presuntos como deve ser) e de ter deixado escapar mais faltas neste jogo do que o Olegário Benquerança para aí na primeira parte do Benfica-Porto…
Mas, infelizmente, como isto nem sempre corre de acordo com o previsto...
...o Valentim lembrou-se de levar a vaca brava da garraiada… e como isso aconteceu depois de passar pela roulote dos coiratos do Abílio e de ter bebido umas 2 minis fresquinhas e um shot verde-alface a deitar fumo, acabou por, demasiado entusiasmado como quase golo que marcou, se enrolar na corda com que a trazia presa e, agarrado à bichinha, que acelerou para fora dali, arrancou a pele ao ser arrastado pelos costados pela areia do campo da bola fora…
...Nada de fora do normal, naquelas paragens...
No final, o resultado do jogo ficou por… com o quase golo do Valentim…zero a zero, e como acabou assim a modos que antes do previsto devido ao incidente do Valentim com a vaca, como de resto já era habitual em todos os ajuntamentos que se realizam na Cadriceira, debandou tudo para a roulote do Abílio, onde a sua prima Giséla Sóraia se entretia agora a fazer equilibrismo com os pratos e os seus avantajados apêndices mamários como vira fazer num circo chinês, na televisão, depois de ter comido um Calipo de limão adoptando as poses da Alexandra Lencastre na Caras da semana passada enquanto, ao mesmo tempo, assava bifanas, teclados e entremeada.…o que levara o Padre Tóm Cruije ao desvario, e que o fizera mandar o António Luís para a rua com um vermelho directo aos 34 minutos da primeira parte, apesar de este já não tocar na bola desde que tinha 12 anos de idade…



(Semana 7 de 2025)

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Odisseia do Tacho 2006 - CAPÍTULO 9 – E FORMOSA VAI A NOIVA...


Desde bem cedo na madrugada se ouve da casa de Maria Odete o martelar furioso dos dardos na grossa porta de madeira.
Maria Odete tem como vício, desde há longos anos, para descomprimir os nervos, atirar dardos venenosos a um poster de tamanho real da Dina que ela tem na porta da arrecadação. Desde o Festival da Canção de 92, em que Maria Odete participou, e que foi ganho pela Dina com aquela do “Peguei trinquei e meti-te na cesta...”, que Maria Odete nutre e acarinha um ódio visceral à cantora, não podendo sequer ouvir falar no seu nome sem ter um súbito e arrasador ataque de urticária...
Quando isto acontece, algo não vai bem na vida de Maria Odete...
... e era este, precisamente, o caso. Maria Odete tivera, tarde nessa noite, uma coisa que se poderia designar por um marcante “encontro imediato em 8º grau”, com o novo padre, nas traseiras da loja de Odete Maria, sua companheira de placenta, quando foi lá espreitar para ver se dava conta do paradeiro do António Luís, que há uns dias não lhe punha a vista em cima.
Ora, aqui, parece-me que vamos ter de fazer uma retrospectiva...
Maria Odete e Odete Maria não nasceram na Cadriceira. Não passaram a infância a trepar as árvores nos cabeços nem a roubar laranjas no pomar do Xico, o psicopata da Cadriceira, e nem uma adolescência parada no tempo.
Não. Estas nossas amigas surgiram de forma misteriosa na Cadriceira, há alguns anos, vindas de uma aldeia semelhante em Viseu onde faziam mais ou menos a mesma coisa e, devido ao seu carácter essencialmente rústico, depressa se integraram no frufru do dia a dia.
No entanto, nunca nada se soube da sua vida anterior. Até hoje. Maria Odete não poderá esconder mais o que a perturba no seu afinal obscuro passado – um romance com o jovem e sedutor padre da aldeia que a viu nascer.
Mas também, se todas as moçoilas tivessem abandonado a sua vida depois de andar às cambalhotas com o padre, hoje Corvos à Nogueira estaria às moscas...
Isto porque António Cruz, conhecido como Tom Cruz (lê-se Tóme Cruije), além do tórrido romance que teve com a bela e fogosa Maria Odete, manteve, ao mesmo tempo, outros... – com a sua irmã gémea Odete Maria, com a prima Alzira, com a Arminda da peixaria, com a Hipólita Frígida da contabilidade, que depois desta aventura passou a usar lentes de contacto, a optar por mini-saias, decotes até aos fundilhos e por tons vermelhos em geral...
Ora devem-se agora perguntar, curiosos, os assíduos leitores desta “Odisseia do Tacho”: “Mas o que raio tem isto a ver com a história?”
Pois bem, o Padre Frederico, que presidira já ao velório da D. Adélia, desaparecera/fugira/eclipsara-se misteriosamente... de novo..., pelo que foi necessário solicitar outro emissário do Senhor, de um modo geral, para as ovelhas da Cadriceira não se deixarem tresmalhar e, de um modo mais específico, para realizar uma cerimónia finalmente à beira de se concretizar – o casamento da D. Adélia... aos 72 anos, depois de ter ficado noiva mais de 20 vezes...
O feliz noivo, a horas de conseguir este feito ainda inatingido, era o pensionista do andarilho. Também conhecido por Adérito, e famoso pelas suas malhas aos ferrinhos, nas actuações do Rancho Folclórico da Sociedade Recreativa da Cadriceira.


“O que eu mais gosto do Xico
É que ele já não é vivo”

A cerimónia tem início com uma marcha nupcial composta pela própria noiva, em homenagem ao seu primo Xico, o serial killer da Cadriceira nos anos 70, que faleceu há muitos anos atrás, pensa-se, com um ataque de lombrigas. É que ele foi para o hospital distrital e nunca regressou... Acabou por se tornar numa Lenda Urbana...
Baseada num poema calorosamente estimado por ela, é entoada à capella pelos acólitos Messias e Bráulio, que acompanham a cerimónia, com a parceria do Bruno do talho ao órgão.
Mas como nem tudo são rosas... o noivo tinha a seu lado a Ti Faustina, a minutos de se tornar a sua sogra...
Ti Faustina, uma peculiar idosa de 90 anos, mãe da D. Adélia. Uma velhota mirrada que nem uma noz e enrugada que nem uma passa, que assiste ao casório sentada num velho banco de 3 pés, mesmo ao lado do noivo, para o poder açoitar vigorosamente com a sua bengala de madeira de carvalho à vontade, ao som de expressões lúcidas tipo: “Vê lá se atinas, seu moinante!”, ou “Olha lá o que fazes, seu vadio, que eu estou a espreitar-te!”.
A típica viúva portuguesa – pequena, de aspecto frágil, sempre trajada de negro, com o seu inseparável lenço na cabeça, o seu xaile nas costas, também negros, e da sua mortífera bengala.
Completamente desdentada, com buço até ao queixo e uns olhos pequeninos, alterna o seu tempo entre as actividades da igreja com as outras beatas, e o carpir a viuvez no cemitério, com as outras beatas...
Acompanhada da sua irmã e braço direito desde há 93 anos, a Ti Custódia (fisicamente muito parecida, a esta altura do campeonato...), a Ti Faustina gere um ramo de negócios obscuros, tendo como sequazes o Xavi Fuentes e o Don Corleone, e metendo à pala de um nome fictício – Floribella Hardcore – vários produtos de grande procura na loja da Odete Maria, “Paraseuparaíso”, que agora, além de sex-shop, abriu a secção de congelados e de produtos esotéricos.
Bem lá correu tudo de acordo com o previsto... excepto a festa... porque o novo padre voltou a cair em tentação... e desenvolveu um escaldante romance novamente com Maria Odete... e também com a Odete Maria, com a Débora, com a Giséla Sóraia...




(Semana 6 de 2025)


Odisseia do Tacho 2006 - CAPÍTULO 10 – COM QUANTAS FITAS SE FAZ UM CAMPO DA BOLA

Domingo à tarde no campo da bola da Cadriceira, que se situa mesmo ao lado da Sociedade Recreativa.  De terra batida, com umas fitas de “Cri...