quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Odisseia do Tacho 2006 - Capítulo 3.

CAPÍTULO 3 – O REGRESSO DO MORCEGO



Xavi Fuentes, passeando com o seu companheiro de jornadas Piruças, o cão abandonado, pelo jardim da Cadriceira, comendo um delicioso chupa-chupa de remoinho e dando pedacinhos de croissant do Lidl ao pato Jeremias, trauteava uma cançãozita da sua preferência, agradavelmente bem disposto.
O dia correra-lhe de feição. Os negócios na feira iam de vento em popa, os dvd’s ilegais vendiam-se que nem ginjas, e o guarda Arnaldo, a quem conseguia distrair com uns chocolates vindos directamente de Badajoz, tinha levado os companheiros para uma rusga a um bairro nas redondezas, falsamente alertado (por ele próprio, é claro...) para um negócio ilícito que metia meninas da vida e figuras públicas ligadas ao futebol.
Fora a uma consulta a Maria Odete que, além de ter mão para a caldeirada e de trabalhar como cozinheira profissional para a Sociedade Recreativa, tinha ainda um biscate de vidente, e ela dissera-lhe exactamente aquilo que ele queria ouvir: sorte nos negócios, sorte no amor para muito breve, e uma saúde de ferro. Falou também qualquer coisa sobre “ser tocado”, mas Xavi não percebeu muito bem essa parte, e nem Maria Odete lhe soube explicar porque, de repente, lembrou-se que queria descongelar uma galinha para o jantar e que tinha de ir que se fazia tarde, adeusinho e até um dia destes... Devia ter a ver com qualquer coisa mística...
“Pato! Pato! Pato!”, diz Xavi em fim de conversa. E fez-se à vida descansado.
Encaminhava-se com vagar na direcção do Centro de Saúde, onde o Índio George, que era o enfermeiro de serviço, o esperava para um tal de “exame à próstata”, na certeza de que nada de preocupante daí viria.
Aproximando-se com rapidez na colorida lambreta com o logótipo do talho Luís e Egas, Bruno apitou para o cumprimentar. O espanhol acenou descontraído e avistou na curva da rua o autocarro, pensando que seria uma boa distracção observar as pessoas que regressavam à Cadriceira àquela hora.
Sim, as pessoas do costume, os miúdos que tinham ido passear até à cidade,... nada fora do normal, excepto...
Logo a seguir a um homem musculado, com uma máscara de morcego e uma capa negra, descendo da carreira com suavidade, uma sublime imagem que deixou Xavi Fuentes estupefacto, mas o mais intenso de tudo foi o fugaz aroma a alfazema dos campos da Provença que ficou espalhado em volta, e que se agarrou à sua pele como uma alforreca venenosa sedenta de vítimas desprevenidas.
Era ela – a Joaninha, filha da Arlete Cabeleireira, uma donzela doce, sorridente e prestável, que se mudara para a grande cidade, há uns anos, para trabalhar como Técnica de Autópsias no Instituto de Medicina Legal. E regressava agora, mais encantadora ainda, se tal era possível, a “Joaninha das Autópsias”, como era carinhosamente chamada, e a quem os idosos, aflitos, recorriam em desespero...
Mas não foi só o espanhol que sofreu os efeitos hipnóticos da beleza e candura da Joaninha.
O Bruno, a descer a ladeira a alta velocidade, como habitual, ao sentir o aroma da alfazema, fica completamente desgovernado, e arremessa brutalmente a D. Adélia, que ia a passar, uma senhora dos seus 72 anos, vestida com uma t-shirt rosa choque e uma saia da Floribela, em direcção ao recém-aparado relvado do jardim, de pernas abertas, como nunca se vira! Bem,... como já não era vista há algum tempo... Pronto, há bastante tempo, e não se fala mais nisso!!
Era este o grandioso poder do aroma a alfazema dos campos da Provença que emanava da aura da Joaninha das Autópsias, poder esse que fulminara de súbito as suas mais recentes vítimas: o espanhol e o Bruno do talho que, a muito custo, conseguiram afastar-se em direcção às suas vidas.
Meia hora depois, em frente ao Centro de Saúde da Cadriceira, o Índio George, radioso na sua bata de um branco imaculado, esperava Xavi Fuentes com um sorriso de orelha a orelha. Deu-lhe uma bata para a mão e disse-lhe que aguardaria por ele, com um tom de voz algo meloso, que deixou o espanhol de pé atrás...
Sim, o inevitável encaminhava-se a passos largos contra ele!! Não havia forma de escapar!! Era o Destino!! Maldito!!
Mas, entrando repentinamente no consultório, e encontrando um oprimido espanhol com uma bata aberta atrás, de gatas, com o traseiro espetado, em cima de uma marquesa, com o Índio George já com o indicador e o médio em riste dentro de uma higiénica luva de borracha, o Homem-Morcego contém a desgraça a tempo, dizendo com a sua voz grave: “Arrecada lá isso, que é para não termos chatices!”
E, saindo detrás da sua fluida e na última moda capa preta, a Joaninha, com os seus doces olhos azuis, enfia ela própria um par de luvas e, afastando gentilmente mas de forma inequívoca a mão do Índio George, cumpre rápida e eficazmente a sua missão!
Xavi Fuentes engole em seco e nem pia e, antes de dar conta dela, pronto, o exame à próstata está feito... Mas não é só isso que ele sente! O fascínio que Joaninha exercera sobre ele quando descera por aquele autocarro abaixo tornava-se agora... poesia. Apesar da sua complicada situação. No sentido literal.
Entretanto, passando pela janela a uma velocidade pouco recomendada, com o vergonhoso intuito de espreitar a sua musa, o Bruno do talho testemunha esta cena inspirada e reveladora de tão grande intimidade entre a formosa Joaninha e o safardana do espanhol e, possesso de raiva e de bílis, logo ali o desafia para um duelo de honra.
Infelizmente, nos dias de hoje, é complicado proceder-se a um duelo de honra em condições com a rapidez que se deseja, e foi isso que aconteceu desta vez também.
Assim, agarrando num par de pás de coveiro que havia por ali à mão – pois o Centro de Saúde da Cadriceira fica mesmo ao lado do cemitério da Cadriceira – o Bruno do talho e Xavi Fuentes iniciam o seu combate, tendo como cenário o tétrico cemitério da Cadriceira, e como testemunhas a Joaninha, um ansioso Índio George, o Homem-Morcego e duas viúvas de uma idade bastante avançada, que há 50 anos andam a carpir a sua solidão.
Bem, ao fim de algumas espadeiradas no lombo e de um vasto número de nódoas negras no corpo, lá se aperceberam que aquilo é coisa para aleijar como o caraças e que, se calhar, “o melhor é irmos para a Sociedade Recreativa meter umas imperiais e uns cálices de Brandymel para dentro, a ver se isto passa. Ouvi até dizer que o António Luís está a fazer uma tachada de caracóis e tudo!”
“Ai é?”
“Pois é, foi o que me disseram.”
“Então vamos lá!”
Pois... só que o António Luís, inspirado pelo nostálgico especial dos Spandau Ballet que estavam a passar na VH1, abusou um pouco mais na quantidade habitual de gindungo...
Para o resto dos adeptos dos caracóis dessa noite, esperava um ligeiro peso no estômago fora do habitual.
No entanto, Xavi Fuentes, além de ter levado com os dois dedos da “Joaninha das Autópsias” pelas partes íntimas acima por ocasião do exame à próstata referido anteriormente neste capítulo, fica ainda com as hemorróidas inflamadas... e a noite não foi de rosas para ele...

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

O Cromagnon e as gajas da corrida da mulher.

O Cromagnon, vindo de Cascais, um dia, viu no Cais do Sodré uma data de damas adeptas da corrida da mulher, coisa que, apesar de lhe ter alegrado bastante as vistas por esse dia e mais uns quantos, não justificava que deixasse de assediar a boazona do departamento de Espanha que estava de serviço ao fim de semana, tal como o facto de a rapariga ser comprometida também não lhe refreia os piropos.

O Cromagnon é, como ele próprio diz, um "amante da beleza do belo sexo", o que quer dizer que a moça pode ter o cérebro de uma faneca ou de uma Cátia Palhinha e um belo par de mamas para se encaixar neste grupo, mas que não cabe no caso de ser Nobel da Química mas também um bocado trambolho, ou uma rapariga, de acordo com  os padrões habituais, "normal".

Fez-me lembrar um patrão que tive anteriormente, que um dia chegou ao escritório a tecer louvores ao Santana Lopes, esse grande/pequeno matxo man, que conseguiu enganar um grupo de senhoras para uma pseudo-conferência política, o que as deixou um bocado danadas, visto que, se soubessem ao que iam, não iam, claro!

Não pelo facto de o meu ex patrão ser um grande/pequeno matxo man cheio de lábia política, mas porque, tal como o Cromagnon, é tarado e atarracado, duas características que, habitualmente, não agradam às moças.

Não garanto nas que têm cérebro de faneca ou de Cátia Palhinha...


2.1

O castelo na penumbra

Sintra, Novembro de 1827. O vulto do jovem homem de cabelo loiro passou de novo, rapidamente. Desta vez, quase o conseguiu ver pelo canto do...